Estou em Abu Dhabi

Sempre que chego num aeroporto eu me sinto em casa. E quando eu chego no céu eu sempre rio lembrando que passando as nuvens o céu sempre é bonito. Vejo as estrelas.

Sei que não posso postar agora e em poucos minutos, eu sendo eu, já tenho um milhão de coisas para contar.

Pessoas que falam árabe na fila e ao meu lado um senhor Japones e falamos de budismo.

Eu conto que vou para Burma. Myanmar ele me pergunta? E eu digo que sim. 

O nome oficial desde de 2011 diz o Lonely Planet é Republic Of the Union Of Myanmar. Em 1989 a Junta militar derrubou o nome Burma, ou Birmânia em português, comum desde o meio do século 19. A ONU reconhece o nome porque a população de Burmenases não são 100% da população.

Do outro lado tem uns 135 grupos étnicos dentro de Burma sendo que muitos deles se opõem à Junta e continuam chamando o país de Burma, ou Birmânia. E eu sou uma delas, pelo menos antes de ter ido lá.

Quantas pessoas me perguntaram porque queria tanto ir lá. E eu nem sabia mais o porque das outras vezes. Sei que dessa vez eu sento no avião e quero chorar de emoção quando leio das suas antigas tradições, e tenho um frio da barriga quando leio de Bagan.
É o conselho número 1. Subir, o templo mais calmo para ver as nuvens pairando sobre 4000 templos budistas. Penso que pode chover e rio. Penso que posso ficar cansada e rio mais. Talvez nenhuma outra vez eu quisesse tanto ir a Bagan. Talvez fosse um conselho de outra vida. Talvez de um neurônio perdido. Seja como for dessa vez ele chegava me emocionando.


Senhor Yoshihar, o senhor Japones ao meu lado, me conta da sua tradição Soka Gakka. Conta me do Buda Nichiren. Peço a ele que me ensine o mantra.

Nam Myoho Rengue Kyo

Peço que escreva para mim no meu livrinho. E ele o faz. Eu já tinha ouvido esse mantra antes. Fico tocada mesmo eu sendo da linhagem Tibetana Kagiupa. Respeito todas. Ainda mais um senhor Japones que me explica tanto no português que consegue falar.

Pego meu telefone para escrever enquanto ele dorme. Estou inundada de gratidão. 
Minha avó, Netinha e seu Julio nos levou ao aeroporto. Eu estou em casa, no caminho e em direção do leste. Logo logo eu estou no Oriente Médio. 

Acordei e agora eu estou em cima de Karthoum. Dormi muitas horas e quando fui fazer xixi fiquei lá com as aeromoças. Daiene Paixão que é carioca e uma Indiana que para nossa surpresa se chama Martina Bonita Pereira 🙂 

Aprendi dos seus voos depois de dois voos longos tem dois dias de descanso. Das suas viagens. Gostam de trabalhar na Etihad. Daiene me conta que em Abu Dhabi tem a segunda maior Mesquita do mundo. Ela gosta mais de lá do que de Dubai. 

Fico horas lá. Tomo agua, café, e faço novas amigas. Dou meu contato, facebook, meu blog e conto que faz duas semanas que estava no hospital. 

Elas me contam que no aeroporto tem net então eu já vou poder publicar e eu continuo me sentido bem e muito feliz. O céu está tão azul e as nuvens estão lá embaixo. 
Meus novos amigos Japones, Indiana, Carioca, e Portuguesa. Ganhei mantras, e uma carteirinha de ganhar milhas 🙂 chegamos em Abu Dhabi.

Abraço e tiramos  fotos. Trocamos contatos. Entro no aeroporto e pronto em poucos minutos já é hora de entrar no outro avião. E então chegarei na manhã do 31 em Bangkok. 

Do Que Será Que Valem As Categorias?


Essa enorme violência que está instalada no mundo, e agora no Brasil. De um lado acorda muitos para o fato que aqui nunca foi de fato terra onde tudo transcorria em paz. Era mais a terra onde as relações  sexuais por opção ou falta dela fez com que a população Brasileira tenha ficado miscigenada.  Enquanto nos EUA eram famílias, casais que iam para lá, para o Brasil eram homens sozinhos. Então por amor e estupro houve mistura com os indígenas e os africanos e todas outras culturas.

Tanto nos EUA como aqui com os colonizadores ficaram os maiores direitos. As terras. Muitas populações   Indígenas  foram mortas por doença e por intenção. E no Brasil de tanta mistura crescemos com menos pre-conceito aberto e escancarado que nos EUA. E isso nao quer dizer que nao houvesse.

E por todos os lados do mundo mulheres tinham menos direito. Tem um livro legal do Edward Said que fala como a colonizacao ajudou as mulheres inglesas ganharem poder. Os homens estavam fora e elas tinham que tomar a rédia das coisas. Isso também aconteceu durante as guerras. Na Alemanha depois da guerra também tem um outro livro de como se transformou a sociedade porque de um dia para o outro foram de admiradoras do Hittler, dos seus pais, maridos, para homens presos, e mortos para quem não  tinham direito nem de fazer funeral. Então no leste da alemanha as mulheres ganharam ainda mais poder que no ocidente porque nem viam porque casar com um homem, e faltavam os homens.

Escrevi no Facebook esses dias porque ao mesmo lado que me choca, intriga, me entristece ver o que fizeram com as mulheres, foi ler os comentários de mulheres e homens dos dois lados. As que viraram feministas da vertente homens não sao necessários, e da vertente dos que querem todos mortos, os homens estupradores é claro.

Não tem jeito, eu não consigo acreditar que nada se constrói de tortura, de morte. Sempre vi pelo mundo a fora que violência gerava mais violência. Sempre falei até com os tais violentos e nunca aviolência  deles tinha vindo do nada. Vinha de alguma opressão.

Lembro que quando cheguei em NY em 2001 dias antes de 11 de setembro fiquei amiga de cara de Iranianos, Iraquianos, Marroquinos, Israelenses, Saudis, Chineses, Europeus e Americanos.Então  quando aquelas torres caíram eu  me perguntei “Por que será?”e Nunca “Tem que matar esses caras.”. De cara fui parar nas aulas de Oriente Medio, História , Antropologia, e de cara eu tinha que preencher qual era minha categoria.

Branca, Negra, Ispanica, indígena, asiática, do Oriente Medio. Nao me via em nenhuma. Nos EUA os brancos são os descendentes de Ingleses, e Irlandeses.  Perguntei a moça que me perguntou de onde eu era. Quando disse Brasil me mandou colocar “Hispanic”. Expliquei que eu falava portugues. E já uma nao cumpridora de regras absurdas coloquei  escrito “HOMO SAPIENS SAPIENS”

Então eu conheci o Mustapha que ensinava Descolonizando a Mente. Essa aula deu informação e  possibilidade de conversa a todos. Cheguei no primeiro dia e estavam sentados brancos para um lado e negros para o outro. Eu fiquei surpresa e sentei na frente do lado da Leila. Na frente dele. Mustapha criou uma página  onde podíamos escrever. No começo ninguém o fazia. Depois todo mundo começava a perceber a discriminação do outro e escrevia-se .

Um dia como contei no Face percebi lá que eu nasci numa casa que nunca teve diferença de mulher e homem. Ou seja de mim e do meu irmão .  O Mustapha pediu que escrevêssemos uma carta imaginando como teria sido o nosso dia se acordássemos de outro género . Eu passei um dia pensando e pensei que nada mudaria , conseguia até fazer xixi de pé. Só no sexo pensei que físicamente  o homem penetraria o outro, mas não significava que não penetrasse o outro como mulher. Enfim, quando li a minha carta em NY todos se chocaram. E eu me surpreendi com a carta deles. Todas as mulheres viam a vida de homem mais fácil e nesse dia imaginado fariam mil coisas distintas, que na minha mente podiam fazer como mulher, e os homens achavam que suas vidas seriam mais dificil como mulher. Quase todos preferiam nascer como homem.

Aquilo me fez perceber a importância que tinha sido não ter essa diferença na minha casa, ou seja na minha mente. Por isso eu fui sozinha para a Palestina e Israel, norte da África , América Latina, Índia, Europa etc… E de fato em alguns lugares era mais intenso e eu sempre falava com o Palestino, o cara do capão , da kashemira, do Marrocos e ali naqueles segundos de troca eles viraram o seu melhor e eu também.

Já confrontei cara armado etc e tal. Nunca fui atacada, ou melhor um principio de ataque era desconstruído.  No princípio  pela minha calma e por perguntar ao outro sobre a sua vida e depois por pensar que os Tibetanos dizem que uma vez que vc tem consciência você   tem responsabidlaide por aquele que nao tem.

Acredito que é fundamental que todos aprendam a tratar as pessoas como seres humanos . Às vezes novas classes podem gerar mais violência . Na verdade qualquer coisa pode porque essa violência já está dentro. À transformação que precisamos fazer é de sim denunciar, repudiar mas tenho medo que mais violência venha disso. Talvez o melhor seja ajudarmos o outro a ter consciência. Temos que fazer um trabalho de artista de acordar o melhor de nós e do outro. Porque atacando, o outro sempre se defende, e de cara vira violento. É um princípio de muitos de nós acordarmos. E de todos nós reconhercermos as nossas falhas. Sempre as temos.

Reconheço que tenho privilégios. O maior de todos foi esse e sou grata a minha mae, e meu pai por nunca terem dito “Voce é menina não  pode fazer isso.”. Então, enquanto eu estou aqui quase voltando para a Ásia  eu deixo este desejo a todos vocês. Se tem filhos não  os faça pensar que só uma categoria pode fazer coisa.

Eu sou primeiro ser humanos, e nas mil categorias (mulher, tenho vasculite cerebral, budista, com  respeito a tantas outras religioes, antropologa, compositora, escritora, brasileira,  de sao paulo, viajante, casada, casamento aberto, divorciada, amiga do ex marido, novos namorados, em coma na Asia, abandonada, apaixonada, casada de novo, com amigos gyas, lesbicas, hetero, um AVC faz 2 semanas. E tanto faz tudo isso. Hoje eu pego, “Insh’ allah ” um voo para Bangkok para ir a Birmania. Uma ditadura, um país Budista que sempre quis ver. E nenhuma categoria me deixou mais capaz.
Sou grata a minha mae e meu pai que me deram uma ótima educaçao e eu nao virei nada do que eles queriam que eu fosse. Ainda assim eu sou grata porque eu sou livre. Eu tenho coragem de dar um passo para frente sem ter medo. Tenho coragem de recomeçar mesmo caindo. E tendo o amparo que tem mais valor que tudo: minha avó, meu marido, e meus amigos que estão espalhados no mundo. Controlam as suas preocupações para me respeitar.

A vida é curta. O hoje é um presente. Se eu como mulher, com uma doença auto-imune, tendo tido um AVC ( moderado)  faz  duas semanas, estou tomando cortisona tenho nao só coragem mas gratidão, e felicidade de poder fazer o que mais quis fazer e que deu errado tres vezes. Uma vez minha mãe  foi la e quis ir ao Laos, na segunda eu quebrei o pé dias antes, lá na beira do Mekong, na terceira eu tive um ataque epilético na embaixada da Birmania e fui induzida ao Coma em Bangkok. Quase morri. Perdi neurônios. Ninguem sabia se eu ficava bem de novo.

Fiquei. Fiquei ainda mais grata. Com mais coragem e levantei nessas duas semanas com ajuda do mundo todo. E hoje eu vou. Nao é categoria nenhuma que permite isso. É o respeito pelo ser humano e por mim mesma.

 

 

 

De Volta na Estrada.


Não aceitamos o goveno do Temer. Tão pouco tenho tanta coragem de ir para as ruas para lutar. Existem mil razoes para isso. A primeira é porque nao tenho filho, nao tenho casa, nao sou nacionalista e na verdade me sinto uma turista no Brasil, não tem porque lutar para ficar aqui.

A segunda é porque eu visitei muitos países onde teve luta, morte, prisão e não sei o quanto se ganhou disso. Talvez o Camboja tenha sido o lugar que mais me tocou.

A terceira é o meu forte sentimento que eu sou um ser humano. Nao muito diferente deninguém  que conheci pelo mundo a fora. E pela vida que vivi as pessoas que mais sinto falta são daqui e de outros países e não estão onde nasceram. Nunca esteve na minha mente “minha casa, meus pais, meus filhos, deus.”

Portanto a minha maior luta ela é interna contra minha doença auto-imune e contra as minhas sinapses. Então a minha força se alia ao meu desejo de conhecer outras culturas.  Se alia de ter encontrado pelo acaso da vida o André. Nao só meu amor, marido, mas meu companheiro, e dos mesmos valores que eu. Pensamos sempre nos outros. E ele também se sente um abandonado como eu me sentia. Nao sentimos mais.

Talvez desse abandono nós tenhamos nos encontrado tão profundamente. Andamos a pé para resgatar alguem de craque, andamos de carro de janela aberta porque nao temos medo, subimos o Roraiama e cruzamos a Venezuela e só vimos belas coisas.  Observamos os dois lados do discurso e da prática.

Então partimos. Ou melhor, o André já está em Lima. Foi  ontem. 
Ja vi fotos de onde comeu, a casa do amigo,a falta do sol. Hoje já era seu primeiro dia de trabalho. E eu, eu na minha eterna vontade de voltar para a Asia, volto ( insh’allah) dia 29. Do hospital eu comprei a passagem e estou bem. Espero que dê tudo certo. Se não der será lá que termina meu  camiho. Não aqui.

Se eu ficar bem, eu volto e em Julho estou em Lima. Minha casa, já combinamos é aberta a todos. E já temos muitos amigos dizendo que vem. E estará no Couchsurfing tbm para que  sempre acolhamos os viajantes que sempre acolhi, e que sempre me acolheram.

Meus queridos amigos brasileiros, nao sintam que a nossa partida queira dizer que nao gostemos de voces. Sintam que os amo, como amo meus amigos espalhados no mundo. De outras culturas, de outros tempo.

 Lembrem-se que somos Homo Sapiens Sapiens e que tem tanta coisa bela para se viver que nao tem porque viver lutando para sobreviver.

Tudo é impermanente. E antes que digam “tudo bem vc tem dinheiro, voce pode” saibam que dos muitos que conheci,  não tinham. Podia falar de um milhão de histórias . 
Falo de um para nao ser um post enorme. O casal de argentinos que conhecemos num trailer  na  Venezuela. Estão já há quase 5 anos pela estrada. Deixaram de se fechar num escritorio o dia inteiro para pagar contas de aluguel etc, para vender o poco do que tinham e comprar um traileir e no caminho viraram artistas, consertos de coisas e nós os conhecemos no Monte Roraima e depois estavam na Colombia, e eu olhei agora e estao na Bahia. 

A vida nao acaba pelo abuso do governo. A vida acaba quando paramos de ter sonhos. Quando tudo que temos é medo do outro. Quando nos fechamos para o mundo. Cada um faça o seu caminho. A nossa partida já começou de começar mas a vejo mais como uma volta para o caminho. Cansei de ficar estagnada.

 

Dr. Getulio e o Caminho.

 

Esses dias o renomado professor Fábio Comparato me perguntou se eu conhecia um bom neurologista.

 

Respirei fundo e disse que tinha conhecido O neurologista. E que infelizmente ele tinha partido da terra.
Dr. Getulio Daré Rabelo entrou na minha vida em 2008 e hoje vejo que desde o primeiro dia escrevia Vasculite. De alguma maneira resolveu observar se não era esclerose múltipla.

 

Dou graças a Deus porque na dúvida dele viajei o mundo e é só quando vinha ao Brasil que fazia exame e não dava nada. Isso não significa que vez ou outra eu não sentisse coisas. Só não falava e nem ia no hospital.

Quando volto em 2012 acordo com a língua torta e sou internada e injetada com tratamento para esclerose múltipla. Sou testada de tudo e até levo choques e furos e digo que não faço mais nada.

“Dr. Getulio você não tem a menor ideia!”

“Julieta eu errei. Eu achei que fosse esclerose múltipla e que já chegava na sua boca. Por medo de te perder eu te injetei isso. Eu errei mas foi porque não queria te perder.”

 

Naquele dia o DR. Getulio me ganhou. Não foi por ele ser o renomado médico de quem tantos falavam. Foi por ele assumir seu erro e seu cuidado comigo.
Depois disso que quase morri e nada nunca ficou claro. Eu nunca fui clara. E nem se quer quase nunca fazia mais exame. Sei que quando eu acordei outra pessoa ele me disse para ir ver a Dra. Euthymia Brandão de Almeida Prado. Lá fui ver uma psiquiatra que ele tanto respeitava e parei de ir nela logo. Mesmo ele me explicando que ela era incrível é que ele nem acreditava em coisas emocionais.

 

Passava no Dr. G para dar uns olas, mandava escritos e ligava para conversar. Contava das minhas peripécias. Das percepções cerebrais. Resgate de drogados de craque. Dr. Getulio me ajudava nesses casos que achava que não ajudaria. Disputávamos sobre escalar, a Ásia, a África. Um dia ele virou meu amigo de facebook e discordávamos de política e ele me dizia para colocar seu nome completo nos meus posts. Ele virou um grande amigo.
No dia que passei no seu consultório para dizer olá e me disseram que estava em coma meu mundo passou a desabar. Eu tinha certeza que não voltava. Certeza que você não queria ter. E fui a pé ao Samaritano e fazia uma hora que ele tinha morrido.
Subi e abracei sua mulher e Janete, a secretaria do Getulio, e ela me disse para pegar a Dra Karen Faria Coracini Fernandes.

 

Eu disse. “Imagina, não preciso. Estou ótima.” e ao mesmo tempo eu soluçava. E então passo a ver as tais luzes. 2 semanas depois sou internada e Dr. CAio Simioni me interna e descobre por um Angiograma que tenho uma vasculite.
“Que pena que o Dr. Getulio não está aqui.” Dr. Caio Simioni
De alguma forma o buraco fica em mim e eu vou procurar a Janete, poço de informação, de conhecer bem os pacientes do Dr. Getulio que se tornou pela regência getuliana uma amiga. Faço minha consulta com a Dra. Karen. Então me sinto realmente acolhida. Olhamos aqueles garranchos do Dr. Ge. Falamos dele.

 

Volto a Dra. Euthymia e a vejo semanalmente. E ela me faz buscar raízes mais fundas. Usamos Mindfulness. Conto a ela que Professor Comparato tinha me perguntado de um neurologista e que eu tinha pensado em Eduardo Genaro Mutarelli. Dra. EUthymia me mostra que o vi falando no Memorial do Getulio. Eu nem sabía.

 

 

” Não quero menosprezar todos os outros neurologistas mas Getulio é insubstituível.” Mutarelli.

De fato, me lembro, nao sabia que era o  Eduardo Mutarelli… Ele estava certo, Dr Ge é tao raro, insubstituível. Esses dias Dr. Fernando Freua me disse que antes quando tinha dúvida ligava para o Dr. Getulio mas agora não tinha mais ninguém para ligar.

 

Eu entao escrevi um longo e-mail ao Fábio dizendo que eu consegui o milagre de estar muito amparada. Tenho 100% de confiança nas Dras Euthymia e Karen. Além de serem grandes médicas elas também são extremamente humanas, compassivas e dedicadas. Elas me viram no hospital, no WhatsApp. São tão raros os que fazem tanto.

Mandei uma mensagem ao Fábio Comparato com todos os nomes e telefones. Afinal cada um é cada um. E agora todos nós temos que aprender como trilhamos os nossos caminhos. Dr. Getulio centralizou tanto e sabia tanto que nos deixou assim perdidos mas no fundo ele nos preparou para o caminho.

Que fique registrada aqui a minha gratidao eterna por Dr. Getulio. E aos médicos que conheço:

Quem precisa de Neurologista. Em Sao Paulo confio e conheço:
Dra. Karen Faria Coracini Fernandes
Dr. Caio Simioni
Dr. Fernando Freua
Dr. Eduardo Mutarelli (recomendado pela minha amiga Neuro)
Laura Silveira Moryama

Psiquiatra:
Dra. Euthymia Brandão de Almeida Prado
Pois é ele nos fez saber nossos caminhos.

O que se quebra e o é que vive ?


Coloco meu computador na mesa e derrubo uma estátua indígena que comprei na Suíça em 2013. Estava lá com o meu ex-namorado Eduardo Simantob. Apresentava meu livro Mosaic. E começou então a minha terceira tentativa de ir a Birmania.

Na primeira eu já estava há meses no Sudeste Asiático, em 2009. Tinha voluntáriado na zona rural da Tailândia, visitado o Camboja, Laos, Bali e quando estava indo para Birmânia minha mae me liga para dizer que é um pais que é perigoso. Minha mãe se surpreende e sem me demover diz que vai junto…Voa do Brasil para ir comigo a Birmania/Myanmar. Já no aeroporto de Bangkok me diz que queria ir ao Laos. Volto ao Laos e a Birmania fica para uma outra vez.

Na segunda vez passo 3 meses trabalhando na Mut Mee entre 2011 e 2012. Lá se torna a casa da minha alma. Fica na beira do Mekong e fica entre  a Tailândia e o Laos.
Compro passagem para Birmânia e eu quebro o pé. Meu irmão me diz para voltar para o Brasil. Volto e nem tenho que operar.

Na terceira vez em 2013 eu estou na Tailândia na Mut Mee vendo meus amigos e esperando o Edu chegar. E assim que ele chega voltamos para Bangkok e vamos à embaixada da Birmânia e eu passo mal. Tenho um ataque epiléptico sequencial e sou induzida ao coma. Quase morro. Desperto perdida. Sem muitos neurônios. Poucas esperanças tem sobre a minha vida e eu acordo com saudade latente da Ásia.

Pois é nada disso abalou a minha vontade de ir a Birmânia. E claro a vontade de voltar a Mut Mee.Então a passagem foi comprada para ir até Bangkok dias antes de eu ir parar no hospital. E do hospital, faz uns tres dias, comprei o voo de 50 dólares de Bangkok até Yangon capital da Birmania, tbm chamada de Myanmar ( longa historia disso).

Voltei para casa do hospital e passei mal. Como contei no ultimo post. Vomitei tudo e mais um pouco mas não a minha vontade inexplicável de ir. Não voltei no hospital e tomei limão, soro, coca, e batata e banana. E pensei que já vomitei muito na China, no Peru e nunca fiquei desidratada. Então, fiquei em casa, bebi soro até passar. E ontem eu fiz meu visto para Birmânia on line. E já reservei hostels em Bangkok e Yangon.

Hoje paguei tudo. Voce reserva mas é outro horário. Eles te mandam maneira de pagar. O visto é aprovado. Posso fazer tudo online. Fico encantada.

Estava para imprimir o Visto quando quebro uma estátua comprada na Suíça. Não vi o sinal de não ir. Lembrei da árvore de Ubatuba. Alguma coisa precisa morrer para outra viver.
Minha mãe me liga e eu conto. Fiz minha mala de remédio. Cortisona, pantoprazol, Gardenal e Frisium ( caso eu sinta princípio de epilepsia). Explico que vou menos roots. Eu já reservei em Yangon um lugar onde vão me pegar no aeroporto. Um quarto com café da manhã, te até  buscam por 30 dólares tudo. Isso lá na Ásia é caro.
” Bom, já que você vai mesmo, mande o roteiro.”

Diz minha mãe. E me diz para comer mais e não estar fraca.
Lembrei minha adorada Dra. Karen dizendo que nem o Dr. Getulio conseguiu me fazer parar. Nem eu ter quebrado o pé, nem eu ficar em Coma. Tampouco será agora se  nada  impossível acontecer.

O porque é tão importante eu nem sei. Sei que é. É importante eu poder fazer algo tão eu, e sozinha. É importante eu voltar ao lugar onde quase morri.
Da Birmânia eu sempre escreverei se tiver net, mesmo se me decepcionar. E rezo que a minha saúde prevaleça até eu chegar lá. Que dure até eu voltar e o tempo que for possível.

Quem sabe assim lá, morre minha vontade de ir a Birmânia… Quem sabe aumente a vontade de voltar.  Quem sabe é ali o final da minha trajetória ? Espero que nao mas quero ir.

 
Eu estou feliz porque quando sobrevivi preferia morrer. Eu não tinha muita vontade de fazer nada. É essa vontade que eu busco e já tenho de novo. A força espero que vá vindo. São presentes da vida. Espero que meus amigos queridos deixem o medo de lado, que desejem para eles, para os outros, para mim o  caminho que estes escolheram. Todos nós somos iguais e muito diferentes.

Entrar e Sair de um hospital


” Olha, essa é a minha opinião não é a de todo mundo. Eu acho que as pessoas têm muito medo da morte e ficam fazendo de tudo para aumentar os anos de vida. Eu não tenho medo de morrer. Tenho medo de dar muito trabalho aos outros enquanto eu nem estou vivendo de verdade. Sabe ficar acamado.?”

Ouço seu Ito com total respeito. Seu Ito é um dos taxistas desse bairro. Ele é japonês e trabalha das 5:30 ao meio dia. É parte da sua rotina e me contou hoje muito pois eu estava tomando um táxi para ir ver Dra.Karen.

Ele me contava porque eu contei que tinha ficado os primeiros 4 dias no hospital bem. Tomava cortisona é só tinha ido para o hospital porque se apresentava na minha ressonância uma inflamação no cérebro.
Ontem no entanto, eu tinha concordado com a infiltração de um imunossupressor. 

Animadíssima mal acabou de terminar eu chamei o enfermeiro levantei e peguei minha auta e vim para casa. Quis andar até a manifestação e fiquei exausta. Voltei para casa e pensei “Será que esse remédio me deixou tão cansada?”

Dormi das 4 até umas 7 para levantar para jantar. Ponho um pedaço de comida e levanto. Vou ao banheiro e mesmo antes de tar tempo eu tenho uma explosão de vomito. Não dá nem tempo de vomitar na privada. Eh toda parede, chão, tapete, privada. E eu nem digo nada. Não quero que minha avó fique preocupada.

Netinha e André me ajudam. E eu deito pensando ” bom vou dormir.” Mas claro que não é fácil assim. Preciso vomitar mais. Nem tem mais o que. Agua, bile, e qualquer gole de água, um atrás do outro. 

E então tenho diarreia. Conto a Dra.Karen que me diz que talvez devesse voltar ao hospital. E eu tenho certeza completa que não volto. Assim vai minha noite… Das 7pm até umas 3am. Exausta de vomitar , de dor na barriga, cocô,enjoo. Nunca para. 

De repente eu durmo. E acordo e ainda me sinto mal. E não tenho coragem de beber nada além do soro que o André me fez. Não tomo remédio, não vou no hospital. Acordo e chamo o taxi e é o seu Ito.

“Como concordo com o senhor seu Ito.”

Vejo Dra.Karen que além de ser uma grande médica sempre me acolhe no seu enorme carinho. 

“Dra. Karen o dr Getulio sempre me deu cortisona e nos intervalos de quedas eu ficava bem. Não vou mais tomar esse remédio. Quando eu voltar da Ásia fazemos ressonância e se der mais inflamação fazemos cortisona.”

Esse meu mês e pouco desde depois de eu ter um avc foi ótimo. Eu poderia ter ido para Israel para a Palestina. Cancelei porque ? O que mais me fez mal foi esse remédio. Quantas vezes pode ser que tenha tido inflamação sem que eu soubesse? Muitas eu nem morava aqui. Era aqui que eu fazia exame e tomava sempre cortisona. E partia e vivia pelos muitos continentes.

Com a adorável Dra. Karen pensamos planos que eu não veja sendo meia vida. Olhamos o que o Dr. Getulio tinha escrito desde o começo. Vasculite estava lá na primeira página.

Hoje só bebi água de côco. E um pouco de uma batata cozida. E dormi até agora. Continuo enjoada mas não é nada como ontem.
Ouvi de pessoas que meu silêncio dava medo. Então peguei meu telefone para escrever e agradecer.

Penso no seu Ito. De fato, não vale a pena lutar pela vida como uma forma de adiar a morte. Não quero ser cobaia de tratamentos para aumentar nem dias e nem anos. Eu espero esse remédio partir de mim e que venha o natural do meu corpo.  Seja o que for ele.

Como disse o Seu Ito, isso é o que eu penso e não é não é para todo mundo. Eu também não quero aumentar dias de vida. Aceito que sejam menos dias e que nesses eu esteja como quando eu entrei no hospital e nunca como quando eu saí. Não quer dizer que eu quero morrer quer simplesmente dizer que quero meu corpo como ele é.

O que é prisão e o que é liberdade?


O que será que nos prende.? As pessoas, as instituições ou a nossa própria mente.? 

Me sinto presa já que estou num hospital, nesse exato momento tendo cortisona sendo injetada na minha veia. No dia que cheguei aqui nesse hospital particular, esperei no espaço onde umas seis pessoas esperavam a sua internação. 
Delas, algumas com pequenos problemas, e Fátima com um caso sério. Ela que dava valor até a dor. Aquilo que não sentia tinha voltado a sentir. O valor que damos só quando perdemos.

Quando o André veio me ver a noite pedi para ele levar a ela uma cartinha e um chocolate.

“. Da prisioneira do quarto 8 para a prisioneira do 005. Uma abraço forte, um beijo e um chocolatinho. Alguma hora uma de nós tá livre e nos abraçamos de verdade”
E lá foi meu santo maridinho e ficou lá e ouviu historias e a minha parte egoísta sentiu saudade, inveja de não poder estar lá. Ainda bem que a parte boa prevaleceu e eu senti alegria da Fatima ter companhia.

Pensei nas pessoas que conheço que de fato foram presas. Foram vindo a mente. Um que ficou preso uns 5 dias e escreveu um livro. De cara me lembrei da sala de espera, aqueles que só iam fazer uma coisa rápida, tinham tantas demandas e sofrimento da imaginação. 
Então veio a mente um amigo Israelense na LSE.
Ele foi um refusenik, ou seja foi colocado na prisão por não aceitar ir ao exercito de Israel. Um ano de prisão militar, tentativa de coloca-lo no exercito e ele disse nao, mais dois anos numa prisão comum onde conheceu Palestinos de verdade e aprendeu árabe e saiu ainda mais conformado que não apoiava aquele conflito. Eu o conheci na LSE onde ele estudava resolução de conflito.

Depois me veio a mente um Palestino, um grande amigo que o conheci pelo couchsurfing em Nablus. Bassam e eu estávamos em NY em 911. Não nos conhecíamos e eu fui me interessar por esses lado do mundo nessa época. Fiquei interessada mas ninguém me prendeu e nem me interrogou. Diferente para todos que eram de países muçulmano. Bassam que era casado com uma americana que roubou seu dinheiro, seu filho e declarou que ele era terrorista. O terrorist case não precisava de prova, e eu que morava lá quando ouvi sabia que era verdade pois conheci advogados que nao podiam fazer defesa porque o caso não permitia. Bassam ficou mais de ano e como nao tinham nenhuma evidencia foi solto. Nesse tempo de prisão leu a torah, biblia, al corão, bhagavgita, livros budistas. Saiu e voltou para Palestina. Já até perdi a conta de quantas vezes fiquei na sua casa. Continua com seus negócios, com dinheiro e ensinando a todos sobre outras religiões e defende pessoas e animais. Nunca ligou de eu ser ateia.

” Jewels you have a good heart and tbat is what matters.”

 Meu apelido é jules mas eles me chama de Jewels porque diz que sou uma joia e ele acha que o tempo de prisão deu tempo para ele lidar com ele mesmo e aprender dos outros. 

Um outro amigo meu foi preso no Japão por vender sem autorização mercadorias. Ficou um ano e meio. Primeiro odiava. Explicou que além de estar preso eles não podem falar. Levou meses para ele ver a humanidade comum e se dar conta que o mais duro era se lidar com ele mesmo. Ele saiu libertado. Liberado da situação, do outro e da sua mente. Faz anos que ele vive como um professor de meditação.

Acaba minha cortisona e posso levantar e fazer xixi. Meu quarto não tem janela, André me conta que a Fatima não abre a dela. Eu rio e penso que aqui não tem mas não tem barulho de fora. Lembro que tem tanta coisa boas. Ouvi historias de enfermeiros. Tracei plano mais seguro para eu ir a Burma. Mudança para o Peru. Abracei tão fortemente minha adorável dr. Karen. Dr. Euthymia que veio me ver. Falamos do nosso para sempre adorado Dr.Getulio.

Que prisao boa. Minha alma se a acalma. Vovó aos 91 vem fazer companhia , chocolate, café. Minha mãe, Enrique, Samara vem. Netinha, Selma , os pais do André, Guto, Paula , Nelson querem vir e eu não paro de dizer que nem é um quarto. É uma ex-UTI. Eu fico bem sozinha na verdade nunca nem fico. sinto me super amparada e grata.

Acho que pela trilha e pensamentos vamos nos aprisionando e aprisionando os outros.  

Nossa ganhei o quarto me trouxeram e tem janela. Ah acho que barulho é bom e tem árvores e sol lá fora:)

Do Amanhã Ninguém Sabe.


Sei que é repetitivo mas vamos lá 🙂 estou no hospital de novo e já que estou escrevendo, claramente não estou mal. No entanto, minha última ressonância mostra atividade no meu cérebro e me disseram que eu precisava ser internada. 

Preciso começar dizendo que minha médica agora é a Dra. Karen que trabalhava na equipe do Dr. Getulio, que trabalhava no seu consultório e que Janete a secretaria tinha me dito no dia que Dr. Getulio partiu que eu devia ficar com ela.

Só quem tem um médico como o Getulio e a Janete sabe que a partida dele não é perder um médico é perder um amigo, um conselheiro, um mandão , uma referencia de segurança até nas suas disputas. Então eu não quis médico naquela hora e quando precisei fui no Dr. Caio. Ele é muito bom mas não supria o buraco, dúvidas, saudade. Então eu fui buscar a Janete, secretária do Getulio, um banco de informação e agora uma amiga.

“Julieta, falei para você pegar a Dra Karen!”

Foi tão bom estar ali. Ouvir tudo que Getulio tinha feito pelo porteiro, pela Janete que percebia que talvez fosse melhor eu ir lá mesmo. E então Janete disse:
” Sabe eu trabalho a mais e sem ganhar a mais , segunda de manhã pelo Getulio. DRa Karen foi das poucas que pegou seus retornos sem cobrar pois via como um presente do Dr Getulio.”

Ali ela me tocou. Não pelo de graça mesmo porque eu nem o teria. Pelo fato que ali as pessoas pareciam mais compassivas num mundo de tanto egoísmo.
Então entrou a Dra. Karen e a Janete estava certa ela me acolheu. E atendeu o telefone e verificou meu exame na noite que liguei. E me disse que eu tinha que ir no hospital.

Deu uma tristeza. Eu e o André pretendíamos ir de carro para o Peru. O André foi contratado para trabalhar lá. Minha avó tinha dito para ir, iria me visitar. E de repente meus planos destruídos.
“Julieta, se eu pudesse te dava a saúde da minha mente, a do corpo já tem 91”

Chorei ainda mais. Quem nesse mundo seria tão leal como a minha avó? Chorei e acordei ontem as 6:00 da manhã e deixei um bilhete para o André e para minha avó e vim sozinha para o hospital.
Passo por tudo e quando as 7 posso até falar com Dr Caio e chega a minha avó atrás de mim.
Não tem quarto e minha avó fica o dia inteiro comigo. Até a hora do André voltar.

E nessa sala comum conheço pessoas distintas mas a que me toca é uma senhora que tem uma doença auto imune e que ficou paralítica e depois voltou a andar e depois voltou a não poder andar e agora começava a andar. Falando com ela falamos da instabilidade da vida. Do fato que quando perdemos e ganhamos de volta damos mais valor. De lutar para viver e de não se entregar a dor. Como podia me identificava ouvindo ela falar.
“Sim precisamos fazer hoje o que é possível.”

Ela nem eu temos medo da morte e nós duas já confrontamos o perder e voltar ou até o não voltar. 
Chega a maravilhosa Dr. Karen e eu digo.

” Vamos injetar 4 dias de cortisona e sei lá mais o que é então eu vou para Burma. E se eu não morrer lá volto e fazemos exame, injetamos mais alguma coisa e eu vou para o Peru encontrar o André.”
Dra.Karen ri e diz “Julieta. ”
Como eu gosto dela. Ela não vem me inundar de des-esperança, de medo. Talvez ela saiba em tão pouco tempo que para mim meia vida é bem pior que morte. E Burma é ponto fixo em mim. E ter encontrado com essa senhora me confirma isso. O passado já foi, o futuro não sei se vem só temos mesmo o presente.

No meu presente de hoje eu já me aceito lá. Dou graças a Deus pela família e amigos que tenho. Ao Getulio que nos deixou todos nós melhor sem nunca ter feito ninguém ser diferente. Então, eu estou no hospital mais uma vez e só escrevo para lembrar a todos vocês de darem valor ao agora. Do amanhã ninguém sabe.

Viva Bem!

Meus tópicos vem da vida. Numa vida que entraram tantos, e alguns saíram. Hoje quando eu entrei no facebook vi a foto de um amigo que não conheço ao vivo mas admiro. Ele terminava uma corrida e havia fotos dele, sua namorada, amigos e eu nao consegui só dizer parabéns, nem não dizer nada, então resolvi dizer a todos.

Eu não corro, mas meus pais, meu irmão, minha cunhada correm e o Dr. Getulio corria.  Conhecia o Dr. Getulio há anos e enquanto ele falava mal da minha adoração pela India, Asia e Oriente Médio e de eu escalar eu brigava com ele pelas corridas, ou melhor por ele correr.

“Julieta esses lugares que voce adora tem tantas doenças que nao dá nem para isolar que doença voce pode ter pegado! Como voce quer voltar para a India ??””

“Dr. Ge o homem nao evoluiu para correr! Você já foi parar no hospital por correr! Voce está viciado por dopamina!”

“Mas é muito diferente, eu só vou em lugares limpos, e tenho um auto-controle!”

E lá estava a sua foto na parede da clinica. Foto dele numa das maratonas. Ele carregava historias de corridas como eu carrego historias de escalar sem segurança, ir na casa de desconhecido no Oriente Medio e talvez por nos re-conhecermos nesse ímpeto enorme de não aceitar o NAO do outro conversássemos tanto. Passei até a isolar meus pais de irem porque ficavam falando de corridas e viagens na Europa. Eu só com o Dr. Getulio falávamos e disputávamos tudo.

E num dia, passo lá corriqueiramente e ele estava no hospital, não como o doutor, mas como o paciente. Tinha feito mais uma corrida e tinha tido um ataque cardíaco e foi induzido ao Coma. Fiquei sem palavras. Vim para casa e a dor de cabeça me invadiu. E eu não comi. E eu dormi e pensava “Dr. Getulio não volta.”

Fui lembrando de tudo que passou na minha mente quando eu estava em coma, de tudo que eu conseguia a assimilar da realidade da minha vida, e finalmente veio uma opção que não podia. Uma opção de viver ou morrer dada ali na minha mente no coma. E eu escolhi a vida. Isso, eu que nunca fui de religiões, não sabia explicar, acordei do coma, e como me foi dito ali no coma, por “alguém”não seria fácil. Não foi.

Eu acordei em 2013 e foram 3 semanas no hospital de Bangkok e mais sei lá quanto tempo no hospital aqui. E mais muito tempo até o principio do real voltar. E eu de repente queria tanto morrer. E me arrependia tanto de não ter morrido. Então dessa vez, eu pensava se aquilo se passasse na cabeça do Getulio, se viesse tudo que era parte da sua vida e ele tivesse opção não voltaria. Eu pensava que ele pensaria “Eu como paciente? Não. Não posso cuidar da minha família, dos meus pacientes, da minha equipe, do prédio. Devo ter perdido neurônios, não posso fazer nada, ja tenho 63 anos, vou dar muito trabalho, não volto.”

Acordei ainda invadida por tristeza e acabei indo lá no hospital a pé e sozinha e assim que disse que sabia que ele estava em Coma a moça ficou branca e eu soube. Fazia uma hora que Dr. Getulio tinha morrido. Nem preciso dizer que aquilo me derrubou como quase nada.  Eu chorei com uma dor no fundo da alma. E não há nada como o tempo para pensar que ele saiu como o herói que sempre foi para tantos.

Então hoje vejo meu amigo correndo vejo Getulio na mente, o joelho do meu pai, a dor das costas da minha mãe, os ataques cardíacos, os riscos que me coloquei de escalar sem nada. Penso no James F. Fixx autor do bestseller de corrida que teve um ataque cardíaco enquanto corria. Penso é claro no Jack LaLanne que morreu com 96 sendo que comia mal, fumava até os 35. E então parou tudo e começou a correr e comer bem e viveu bem. Volto aos Tibetanos e a Mindfulness.

Talvez o exercício mais duro a se fazer é conhecer e controlar a mente. Quase tudo ali está tão registrado nos nossos comportamentos. As nossas sinapses são tão repetidas pela vida que meio que nos prende. E nos acordarmos para a consciência dela é tentar fazer uma nova forma de um exercício tremendo.  Nos exige perceber o tanto que estamos viciados a liberações químicas e nos liberarmos disso talvez seja até mais difícil do que nos colocarmos numa clinica para tirar a droga que vem de fora.

O de fora é sempre resultado do de dentro. E o de dentro é de uma linha tão antiga que para defender esses nossos vícios atribuímos a ele talvez a nossa personalidade. Eu mesma penso assim “mas eu não quero meio vida.!”No entanto, me pergunto o que será que quero mesmo? Seria uma distração do que se passa? Seria um prazer sem entender muito bem se ele existiria se eu eliminasse as minhas libertações?

Escrevo da incerteza enorme que vem de viver e querer ser presente, consciente.  Vejo meu novo amigo correndo e penso que quero que ele viva muito. Que ele viva bem. Que ele tenha muitos momentos de alegria e que os divida. E talvez por zelo. por medo sempre sinto que preciso o alertar. Talvez isso seja só uma forma de egoísmo. Um simples medo.  Dessa profunda reflexão percebo que admiro muito o Dr. Getulio e que nunca pediria que ele não corresse só para atribuir a ele as nossas necessidades ainda mais.

Talvez o maior ato de amor, num dia das mães, talvez seja perceber isso: Amar é perceber que a vida deve ser vivida plenamente, na busca de encontrar profundos, momentos de alegria, ajudar o outro.  Nada deve ser eliminado. Devemos sim respeitar o outro, e suas escolhas seja como elas forem. O nosso amor egoísta quer que essas pessoas estejam aqui sempre, e que sempre possam ser livres mas apenas fazendo o que nós julgamos correto.

Hoje eu sinto, que dos amigos que perdi, ainda cedo como  a Leila Alaoui, 33 anos e Dr. Getulio com 63 eles viveram a vida muito bem. Buscaram o que mais queriam fazer e fizeram. Nos deixaram um legado registrado por todos os cantos por onde passaram. Suas mortes não tornam nada do que fizeram menor e tira até de mim a vontade de falar “não corra!”.

Tudo que quero dizer é “Viva! Viva bem! Assim trará muito bem a tantos. A vida nao tem valor por anos vividos mas por como usamos os que temos agora. Do amanha ninguém, sabe”

Ju

 

 

 

Charles Da Flauta- Atos tem Consequencias.

A nossa força nao vem de ganharmos discussoes, nao vem de sermos genios, nao vem de nos darem tudo. As vezes, tudo isso nos leva para o buraco. E graças a esses privilégios nos tiram do buraco muitas vezes e como dizem os indios “caímos ainda mais para o fundo.”

Tem quem tira por interesse, tem quem tira por preocupação, tem quem tira por carinho mas para deixar alguém que de fato amamos no buraco precisamos de muita forca, de muito amor, e uma certa fé que exista algo de maior no mundo que as leis da terra.

Conheci o Charles da Flauta pela sua enorme lenda. O menino descoberto com 14 anos pela globo, SBT etc e tal. E nessa época ninguém mais confiava nele pelo seu vicio pelo craque. Em dezembro de 2015 Alessandro Penezzi me disse que tocaria com ele aqui em Sao Paulo. Fui ver e dias depois ele tinha ido visitar seu irmão Reinaldo na praça roosevelt e lá ficou fumando. E eu fui lá eu e André e por todos os atos meio milagrosos o achamos, eu entrei na barraca dele com seu irmão e vi pela primeira vez craque.

Ele fumou e veio para minha casa. E compramos uma passagem para ele ir para Londrina onde estava Cris sua mulher, e Isabela sua filha. Dr. Getulio Dare Rabello explicou como eu deveria dar Rivotril para ele nao de repente acordar com medo no onibus, e o farmaceutico me deu o remedio e eu achava tudo aquilo milagroso. Dr. Getulio nao ficou chocado, ajudou.

Minha família ficou meio puta de eu trazer até a casa da minha avó um cara drogado. E meu natal foi meio destruído. Ainda assim eu pensava que tinha sido melhor daquela maneira. De repente esse mes o Charles me liga e me conta que vem a Sao Paulo porque um cara da Record tinha mandado um video do Reinaldo. Eu até tenho esse video. Ali pegaram um dos pontos mais fracos do Charles, seu irmão gémeo idêntico. “Nos o resgataremos e voce vem aqui busca-lo”.

Eu fiquei chocada e disse para ele “Charles, vc não dá conta, não venha.” Ele ficou bravo comigo. Cris, sua mulher, uma mulher excepcional disse “Eu não aceito isso. O que vi em Sao Paulo já foi demais. Todo ato tem consequência”Então ele saiu e ficou desaparecido e a força dessa mulher me toca. Ela aguentou uma semana sem saber nada até que teve que dizer na policia que ele estava desaparecido.

E então, recaiu mais uma vez, das muitas vezes, e ofendeu a família dela, ela e então os vizinhos chamaram a policia. Charles desapareceu de novo. E tanto ela como eu pensávamos que todo ato tem consequência. Ninguém pode passar por cima de tudo. Não há dinheiro, nem talento que compre a conta da vida.

Cris disse que ele saiu do carro dela batendo a porta fortemente e que ela disse “Voce não dá valor a nada, porque te dão tudo. Custou muito suor e trabalho para eu conseguir esse carro.” Sabe, essa frase me tocou muito porque pensei em mim mesma. Quantas coisas foram dadas para mim, como foi fácil a vida para mim. E isso pode parecer que a vida é melhor. No entanto, se não conhecemos a historia do nosso sofrimento, continuamos andando pelo mundo esperando que os outros no dem tudo.

A frase da Cris me ajudou. Pensei na minha vida. Eu não uso craque mas tenho uma doença auto imune. Quantas vezes não me vi vítima? Ontem, a Cris me contou, que o Charles quis ser internado. Pediu para ser internado. Pediu desculpas ao pai dela. Chorou. E eu chorei de alegria.

Ele está internado. Reconhece o seu problema. E eu graças a Cris também reconheço o meu. Não escrevo por apologia a música, aos presentes, mas em gratidão por aqueles da ação. Escrevo para dividir que todos nós somos privilegiados. E tantas são as vezes que queremos mais do mundo. E tão poucas são as nossas ações para a existência de um mundo melhor. Escrevo para agradecer a Cris por ter deixado tão claro até ao Charles e a mim que atos tem consequências. Escrevo para agradecer a esses de fibra forte que conseguem ter tanto amor que não se abalam por quaisquer escândalo. Obrigada Cris.