Ilumina-se o Caminho

Quase 11 da noite. Sento no chao. A minha volta ouco vacas. Nao as vejo. Eu as intuo. Sou iluminada foscamente pelas estrelas do ceu. Em tao pouco tempo, eu ja sou menos vitima de toda aquela angustia.

Sabado a noite, poucas horas antes,  eu quase que enlouquecida continuo nao sabendo se e orgainco ou nao todo aquele desejo de fugir de dentro.  Grito aos quatro ventos que eu preciso fazer alguma coisa. O grito chega a tantos, e sao  tantos que me oferencem resgate. E eu aceito a mais inusitada de todas as ofertas. Subir uma pedra. A pedra bela a noite.

Entro no carro de um novo amigo da escalada e o aviso de toda essa latente fragilidade minha. Conduzimos e eu vou vendo as estrelas e a lua que ri amarela no ceu. Comeco a me aliviar. Entre silencios e no ar que vai saindo chegamos no total breu a Pedra Bela.

Andamos na total escuridao ate ela. Carregamos quase tudo que precisamos para poder subi-la. Eu que poucas vezes subi pedra, e que quando o fiz sempre estava rodeada por muito gente experiente, e pelo sol. Agora estamos so os dois. Eu nem se quer tenho a minha sapatilha. Tudo que eu uso de escalada nao me pertence. Esquecemos a corda no carro.

Piso a grama e ouco o seu barulho. Ouco as vacas. SInto um certo medo. Fico so no meio do campo. Meu jovem e paciente amigo volta para buscar a corda no carro. Eu fico so no breu com todos os equipamentos. Eu e todo o meu barulho interno. Aos poucos tudo que existe fora vai me tirando de mim.  Meu amigo reaparece e ate a luz que ele carrega me parece agora quase que desnecessária. Ele me explica lentamente o que eh que devo fazer para fazer o segue. A seguranca. Presto toda atencao do mundo pois sao detalhes demais para carregar a vida de uma pessoa. Ele conhece a Pedra bem. Ela eh facil. Comeca a sua escalada. E eu entao comeco finalmente sair de mim.

Eu fico la embaixo entregando corda. Ele vai ficando mais e mais longe e eu mais e mais incerta se eu saberia subir uma pedra assim… no escuro… com sapatilha larga demais.

E ali, naquele momento, quando eu olho a pedra me vem a cabeça todo ferimento que pode chegar em mim. Posso me arranhar, me esfolar, me cortar, me quebrar, morrer. Respiro fundo e lentamente, e começo a subi-la e de repente eu compreendo algo em meu corpo todo. A pedra eh presente. Ela eh imponente. Ela esta la. Ela nao esta tentando fazer nada para me arranhar, ou me cortar. Ela simplesmente eh.

E é a minha ausencia de consciencia, de presenca que pode me machucar. É a minha propria distancia do real. É qualquer ilusao qeu eu possa criar para me defender do real que me fere. A pedra é real e eu nao quero mais ser iludida. Eu quero ser presente, consciente. E ali naquela noite eu comeco a vislumbrar o caminho de volta para dentro. A volta a casa. Ali equilibrada na pedra eu sei que eu ja posso comecar de novo a dancar. Finalmente, começa a se iluminar o caminho da delicadeza.

Tempo da Delicadeza

Ando meio melancólica. Melancolia daquelas que faz um procurar todas as razoes lógicas, orgânicas e eventualmente, até as mais improváveis e impensáveis.

É mais ou menos assim:

“ É natural, faz sentido fazia muito tempo que eu não morava aqui”, a “faz sentido eu to para ficar menstruada de acordo com o mais novo app no meu telefone”

até o

“Sera que é a lua cheia, ou alguma conjunção planetária não favorável?.”

Eu respiro fundo e invento de subir mais uma parede. Ou então, dançar com mais um desconhecido.  Leio poesia.  Mudo meu status no WhatsApp para “I Ina Imani”. I Ina Imani que quer dizer em Swahili “Eu tenho fé”

Eu não falo Swahili, mas acho é a língua que soa mais bonita que eu já ouvi. Procuro a frase de em Inglês, que já me é distante,  no Google tradutor (que não é humano) como se diria “ter fé”em Swahili. Ninguém quase nunca verá essa minha fé no  meu status do Whats App… então ali, por muitos últimos dias “tenho tido fé” nâo sei bem em que, na língua que me soa mais bonita.

Fé, até agora,  em segredo, e numa língua que eu nem sequer sei dizer “bom dia”. É o máximo de fé que eu consigo ter. Fé numa língua distante e escondida numa aparato tecnológico…. Mas eu estou precisando da tal fé, então me satisfaço com o absurdo do possível.

Vou ao show de tributo ao Miles Davis na Serralheria. Venho direto da escalada e sento sozinha muito antes que qualquer amigo meu apareça. Fico ali ouvindo e vendo na grande tela aquele homem, que eu não admiro como pessoa, ensandecido. Eu conheço aquele sentimento. Como é possível que toda aquela desorientação jazzística toque da maneira que toca a minha alma? Penso no quanto Fernando Pessoa às vezes me é familiar, e o quanto eu preferiria que fosse o Alyosha que eu entendesse na pele.

O meu silencio dura muitos e muitos minutos. Eu sou a única pessoa só ali, mas de repente um bonito homem, tbm só, quer saber por que eu estou la? E por que eu estou só?

Tenho que voltar do outro planeta onde eu estou para responder.  Ele tem todo o cuidado. Ele, me observando ha tanto tempo, conhecia ate o meu ritual de colocar o esparadrapo no dedo já destruído pelas poucas semanas de escalada. As posições meio yogis que eu tinha me sentado. Sua primeira pergunta é

“ Vc quer ficar em silencio, vou te atrapalhar se eu falar com voce?”

Gosto do cuidado dele. Não veio me resgatar. Nem se quer veio porque pensasses o silencio um fardo.

E em pouco tempo percebo que ele escala, que já passou muitos meses na India e no Sudeste Asiatico. Não tem “imani” e nem é parte das suas preocupações diárias. E me surpreendo que nesse pequeno ato de reconhecimento alguma coisa ali dentro de mim se alivia. Benjamim me pergunta lá da Coreia  “como eu estou”.

Penso na mil coisas que eu poderia dizer mas fica resumido em

“Tentando encontrar o tempo da delicadeza”

Benjamim que na casa do Nucleo já tinha delicadamente tocado uma flauta para me acalmar em todos os meus erros na minha própria canção. Depois de uma noite longa com cuidados e descuidados vendo sua resposta penso…

I Ina Imani que um dia o tempo da delicadeza há de chegar. Espero que nesse dia eu reconheça a delicadeza pelo que ela é, e que eu saiba ficar…