Meus tópicos vem da vida. Numa vida que entraram tantos, e alguns saíram. Hoje quando eu entrei no facebook vi a foto de um amigo que não conheço ao vivo mas admiro. Ele terminava uma corrida e havia fotos dele, sua namorada, amigos e eu nao consegui só dizer parabéns, nem não dizer nada, então resolvi dizer a todos.
Eu não corro, mas meus pais, meu irmão, minha cunhada correm e o Dr. Getulio corria. Conhecia o Dr. Getulio há anos e enquanto ele falava mal da minha adoração pela India, Asia e Oriente Médio e de eu escalar eu brigava com ele pelas corridas, ou melhor por ele correr.
“Julieta esses lugares que voce adora tem tantas doenças que nao dá nem para isolar que doença voce pode ter pegado! Como voce quer voltar para a India ??””
“Dr. Ge o homem nao evoluiu para correr! Você já foi parar no hospital por correr! Voce está viciado por dopamina!”
“Mas é muito diferente, eu só vou em lugares limpos, e tenho um auto-controle!”
E lá estava a sua foto na parede da clinica. Foto dele numa das maratonas. Ele carregava historias de corridas como eu carrego historias de escalar sem segurança, ir na casa de desconhecido no Oriente Medio e talvez por nos re-conhecermos nesse ímpeto enorme de não aceitar o NAO do outro conversássemos tanto. Passei até a isolar meus pais de irem porque ficavam falando de corridas e viagens na Europa. Eu só com o Dr. Getulio falávamos e disputávamos tudo.
E num dia, passo lá corriqueiramente e ele estava no hospital, não como o doutor, mas como o paciente. Tinha feito mais uma corrida e tinha tido um ataque cardíaco e foi induzido ao Coma. Fiquei sem palavras. Vim para casa e a dor de cabeça me invadiu. E eu não comi. E eu dormi e pensava “Dr. Getulio não volta.”
Fui lembrando de tudo que passou na minha mente quando eu estava em coma, de tudo que eu conseguia a assimilar da realidade da minha vida, e finalmente veio uma opção que não podia. Uma opção de viver ou morrer dada ali na minha mente no coma. E eu escolhi a vida. Isso, eu que nunca fui de religiões, não sabia explicar, acordei do coma, e como me foi dito ali no coma, por “alguém”não seria fácil. Não foi.
Eu acordei em 2013 e foram 3 semanas no hospital de Bangkok e mais sei lá quanto tempo no hospital aqui. E mais muito tempo até o principio do real voltar. E eu de repente queria tanto morrer. E me arrependia tanto de não ter morrido. Então dessa vez, eu pensava se aquilo se passasse na cabeça do Getulio, se viesse tudo que era parte da sua vida e ele tivesse opção não voltaria. Eu pensava que ele pensaria “Eu como paciente? Não. Não posso cuidar da minha família, dos meus pacientes, da minha equipe, do prédio. Devo ter perdido neurônios, não posso fazer nada, ja tenho 63 anos, vou dar muito trabalho, não volto.”
Acordei ainda invadida por tristeza e acabei indo lá no hospital a pé e sozinha e assim que disse que sabia que ele estava em Coma a moça ficou branca e eu soube. Fazia uma hora que Dr. Getulio tinha morrido. Nem preciso dizer que aquilo me derrubou como quase nada. Eu chorei com uma dor no fundo da alma. E não há nada como o tempo para pensar que ele saiu como o herói que sempre foi para tantos.
Então hoje vejo meu amigo correndo vejo Getulio na mente, o joelho do meu pai, a dor das costas da minha mãe, os ataques cardíacos, os riscos que me coloquei de escalar sem nada. Penso no James F. Fixx autor do bestseller de corrida que teve um ataque cardíaco enquanto corria. Penso é claro no Jack LaLanne que morreu com 96 sendo que comia mal, fumava até os 35. E então parou tudo e começou a correr e comer bem e viveu bem. Volto aos Tibetanos e a Mindfulness.
Talvez o exercício mais duro a se fazer é conhecer e controlar a mente. Quase tudo ali está tão registrado nos nossos comportamentos. As nossas sinapses são tão repetidas pela vida que meio que nos prende. E nos acordarmos para a consciência dela é tentar fazer uma nova forma de um exercício tremendo. Nos exige perceber o tanto que estamos viciados a liberações químicas e nos liberarmos disso talvez seja até mais difícil do que nos colocarmos numa clinica para tirar a droga que vem de fora.
O de fora é sempre resultado do de dentro. E o de dentro é de uma linha tão antiga que para defender esses nossos vícios atribuímos a ele talvez a nossa personalidade. Eu mesma penso assim “mas eu não quero meio vida.!”No entanto, me pergunto o que será que quero mesmo? Seria uma distração do que se passa? Seria um prazer sem entender muito bem se ele existiria se eu eliminasse as minhas libertações?
Escrevo da incerteza enorme que vem de viver e querer ser presente, consciente. Vejo meu novo amigo correndo e penso que quero que ele viva muito. Que ele viva bem. Que ele tenha muitos momentos de alegria e que os divida. E talvez por zelo. por medo sempre sinto que preciso o alertar. Talvez isso seja só uma forma de egoísmo. Um simples medo. Dessa profunda reflexão percebo que admiro muito o Dr. Getulio e que nunca pediria que ele não corresse só para atribuir a ele as nossas necessidades ainda mais.
Talvez o maior ato de amor, num dia das mães, talvez seja perceber isso: Amar é perceber que a vida deve ser vivida plenamente, na busca de encontrar profundos, momentos de alegria, ajudar o outro. Nada deve ser eliminado. Devemos sim respeitar o outro, e suas escolhas seja como elas forem. O nosso amor egoísta quer que essas pessoas estejam aqui sempre, e que sempre possam ser livres mas apenas fazendo o que nós julgamos correto.
Hoje eu sinto, que dos amigos que perdi, ainda cedo como a Leila Alaoui, 33 anos e Dr. Getulio com 63 eles viveram a vida muito bem. Buscaram o que mais queriam fazer e fizeram. Nos deixaram um legado registrado por todos os cantos por onde passaram. Suas mortes não tornam nada do que fizeram menor e tira até de mim a vontade de falar “não corra!”.
Tudo que quero dizer é “Viva! Viva bem! Assim trará muito bem a tantos. A vida nao tem valor por anos vividos mas por como usamos os que temos agora. Do amanha ninguém, sabe”
Ju