“Aposto que é ideológico”.

mindfulness

Fui ver Lingtrul Rinpoche um pouco depois de sair hospital. Lingtrul Rinpoche é um alto Lama Tibetano e estava aqui no Brasil falando sobre budismo Tibetano e ficando na casa da minha amiga Denise. Denise que eu tinha conhecido na frente do Dalai Lama e que me levou para conhecer Karmapa. Não fui ver  o Rinpoche, fui ver a Denise, e não era porque eu tinha estado pela segunda vez internada. Já estava melhor, já tinha subido várias montanhas descalça e de chinelo na Colombia. No entanto, estava magra, muito magra. Nao como plano de regime, mas de ter perdido peso no hospital e depois de me meter por dias na Montanha lá na Colombia. Há milhões de coisas que Rinpoche me ensinou naqueles dias. E volto outro dia nelas mas nesse post  quero falar da ideia, do ideologico , das nossas escolhas. Comida, alergias e doenças.

Eu estava lá conversando com Rinpoche na casinha do retiro que eu acabei indo quando trouxeram carne para o Rinpoche e eu vegetariana de mais de década olhei a ele e disse:

“Você vai comer carne?”

Sim, falei assim para o Rinpoche, fazia dias que eu o conhecia. E alguns Lamas são muito engraçados.

“Sim você também deveria comer. Está aqui e você está fraca, magra demais.

“E o vegetarianismo dos Lamas Tibetanos.?” perguntei.

Ele riu

“ Você viu no filme? Por que você é vegetariana?”

“Nao sei, faz tanto tempo que eu sou.”

“Aposto que é ideológico.”

“Sim, sem dúvida. Por respeito a vida Rinpoche.”

“ Então coma pouco, e coma o que estiver na sua frente.  Quando tiver opção de compra, compre o que é local. Terá usado menos transporte, menos petróleo e terá menos chance de ter tirado um bom alimento de um povo de outro país.”

Ri e pensei  no Quinoa que todos comiam na Bolivia e depois da febre na miídia fiquei sabendo que era menos presente lá. Tinha sido presente até na minha casa em Londres. Pensei que estava certo e depois de muitos anos eu comi carne vermelha.

E então passei a fazer o que ele dizia. Claro que não o fiz em todos os lugares. Em geral, em situações onde alguém que tem pouco dinheiro e há pouca comida, e ainda por cima tinha feito para mim, eu passei a comer.  Já na minha casa, ou em qualquer lugar onde há fartura eu escolho pouco do que eu gosto. Tá vendo, ainda estou longe de  ter atitude perfeita como a dos Lamas que conheci 🙂

Voltei nesse pensamento por algo distante e perto. Nossa necessidade de atenção.

No último feriado eu fui viajar para São Bento. Inventaram de subir a pedra do Baú. Eu nao sou montanhista experiente mas não acho nada de muito perigoso de subir a pedra do Baú. Então eu fui de chinelo. Era feriado, vimos muitos grupos com guias. Eu estou acostumada a fazer longas caminhadas mas sempre ando devagar.  Quando cheguei na pedra todo mundo ali estava de cadeirinha, corda e eu estava de chinelo. Expliquei que tava tudo ótimo e que eu nao ia subir o Baú de chinelo iria subir descalça. Comigo estava Andre, Tim e Lu.

De cara me falaram que tava quente… Entao fui fazer o teste. Nao achei nada demais e desci e pedi para  Lu subir ( ela tava de de tenis)  e ela subiu uns poucos degraus e ficou com medo. Disse a ela que era melhor então ela não subir. Já  André, meu marido e o meu quase primo Tim disseram que subiriam. Então fui subindo e de repente vi os dois parados  no meio da subida. Eles estavam sentados e estavam  mais para baixo. Sim, estávamos sem corda, sem cadeirinha. Gritei para baixo para falar com ele e perguntar se nao iriam subir. Tim,  subiu e me passou. E quando eu olhei para trás André ainda estava parado. Gritei

“Você nao sobe?”

“Não. Vocês estão loucos isso é perigoso demais.  “

Olhei para o Tim e disse

“Vamos descer então….”

“Ju nao dou conta. Vou continuar subindo e vou descer pelo Sul que é menos esposto.”

Disse isso hiperventilando e com voz de coração batendo rápido.

“André ele nao consegue descer aqui. Vamos subir. Descemos pelo Sul. Ele está com coração batendo rápido, muita adrenalina e hiperventilando.”

“Eu nao consigo  subir Julieta! Subir é perigoso demais. Queda é morte!””

Fiquei revoltada… tinha certeza de duas coisas uma que Tim precisava de ajuda, e que o André estava com nossa a nossa água, , meu remédio de epilepsia ( que eu já tinha tomado mas sempre te dá confiança), e com meu chinelo. Para mim não havia escolha eu tinha que ajudar o cara que pode cair. Para mim, eu achei que era só o de cima.

Subi e o encontrei mandei respirar direito e subimos até o topo. Quando cheguei lá em cima me bateu total abandono. Como assim o meu marido me deixou subir sabendo que agora eu desço por outro lado e por mais mata e descalça? A gente não tinha água. Primeiro fui convencer o Tim de respirar melhor. Ele me falou do meu remédio e eu pensei que eu devia ter carregado as minhas coisas. Sentamos vendo a beleza daquele lugar. E graças a todos os santos, fiquei amiga do Márcio que era guia de um grupo, e era local e escalador. Ainda por cima pensava como eu. Descalço dá mais solidez 🙂  Ele me deu água. Tres goles eu tomei, para nao ter que fazer xixi e ter mais cede depois. Aprendi isso no deserto.

Nós o seguimos para descer… Lado sul para quem escala deve saber ta mais corroído.   Enfim,  de repente, eu estou na mata  e estou descalça. Eles andando rápido. E eu a cada segundo  fui me sentindo mais vítima.  “Como é que eu sou a única que pensa no outro? ”.

Sei que de repente, me veio a cabeça que a minha quase morte foi graças a um ataque epilético sequencial na Asia. Ninguém até hoje consegue explicar porque aquilo aconteceu. Eu estava medicada. Até meu neurologista que é muito halopata percebe a influência das minhas emoções na minha saúde. Entao parei no meio do mato sozinha e  eu sentei.

Olhei o sol. Lembrei que eu tinha sentido isso antes. Como assim? Abandono tá me fazendo me vitimizar? Não. Não dessa vez. Eu vou parar. Eu vou mudar a sinapse eu vou pensar na energia do altruísmo. Não na do egoísmo. Não vou ficar inconsciente dessa flutuação. Se eu o fizer, eu perco o controle. E assim meu corpo se modificou. Hiperventilação parou. Adrenalina tbm e eu caminhei. Nao sem dor de farpa, de pedra, mas prestando toda a atencao do mundo em cada passo para também não atacar nada, nenhum inseto, nenhum bixinho.

Claro  que uma vez tudo acabado, umas 5 horas depois, eu queria culpar o André. Eu o fiz.

E entao contei a Denise tudo isso. E ela disse:

“Minha preta. Isso nunca foi arriscado para vc. Para o André era. O medo bloqueia. Que bom que ele não subiu.”

Foi a primeira vez que eu parei e pensei. É verdade. O meu risco foi em segurança. Não é que eu tenha tido consciência atrasada. Eu percebi que aquilo era fácil para mim. A minha vulnerabilidade era a do pensamento, e sentimento de abandono.Eu nunca pensei em risco para mim, nem para ele. Só pensei no risco para o Tim e no meu abandono.

Resolvi contar para minha amiga neurologista. Nao qualquer neurologista. Minha amiga que conseguiu prever que eu ia ficar doente um mes antes so de me olhar e ouvir.  Foi na inglaterra antes de eu partir para mais um caminho na Asia.Ela que eh doutora, pos doutorado e amada na melhor uni de medicina de Londres. Ela que é medica, professora, voluntaria na USP, UNICAMP etc etc etc  Me disse  há anos “este homem com quem você está que se diz separado nao está, tem dois filhos e  você precisa estar muito doente para não perceber. Você está doente.” Chorei  e achei absurdo. Ela estava certa.

Então liguei para contar esta historia do Baú. No nosso caso conversa neurológica e filosófica.

Achei que ela ia me me matar por eu ter subido assim. No entanto, ela ficou tocada falamos muito e ela ficou feliz de eu ter tido consciência e percepção e me disse algo brilhante.

“É dificil dizer a alguém doente ou a nós mesmos mas parte das nossas doenças vem de nós querermos atenção do outro. Nunca é consciente mas em tantas doenças eu percebo o pedido de atenção.”

Pensei que ela estava certa. As minhas parecem ter sido. Voltei ao pensamento da comida.Do que eu já aceito que nao quero por ideologia e aquela que eu garanto que me faz mal por alergia. Não faz.

Aquela carne mesmo sem come-la por anos. Nao me fez mal. Nem o leite e mais absolutamente nada. Contei a minha avó, e ela me contou do seu sobrinho alergico ao Camarão. Não podia chegar perto. Ouvir a palavra e a glote ia fechando. Casou com uma mulher que adorava camarão e agora come camarão.  

Incrivel é o corpo. Incrivel sao as nossas sinapses. Acho que o que eu aprendi dessa vez, dessas conversas é perceber que vitimizacao é póstuma. Quem está lutando pela vida diante de uma guerra não tem alergia, nao tem depressão  já que tem que sobreviver. Isso tudo acho que vem depois. Acho que precisamos aprender a escolher melhores pensamentos. Perceber e não reforçar sinapses prejudiciais.

Rinpoche disse muito quando disse “Aposto que é ideológico”. Toda ideia é  sinapse! Toda sinapse…

? Relativismo Cultural ???

ponto

Um turco e um grego estavam morando na mesma casa em Londres. Junto com eles estava minha amiga Adriana. Brasileira e casada com o Turco que era arqueólogo. De repente, saiu na sala e viu os dois em silêncio, estavam tentando ver escondidos algo entre uma cortina que dava para fora sem serem percebidos. Adriana perguntou de cara: o que está se passando? Os dois pediram que ela falasse baixo e que não se aproximasse da janela.

“Cuidado. Tem uma louca aí! Precisamos informar a polícia!”

Adriana ouviu de repente um barulho de alguém batendo palmas e foi olhar.

“Ô de casa!!! papapapapapapa”

“Adriana, esta mulher é louca, esta se comunicando com a parede por palmas!”

Adriana, brasileira, achou engraçado…. e disse

“ É minha manicure!”

Sem dúvida, eles acharam que a Dri era louca de deixar uma “louca” que bate palmas para a parede entrar e ainda por cima com alicate e acetona 🙂

Adriana riu muito. E acho que demorou um tempo para eles entenderem que nem todo mundo tinha campainha no Brasil. Que tem casa no Brasil onde você nao pode bater na porta porque tem portão, tem cachorro. Entao as pessoas em alguns lugares do Brasil batem palmas para chamar atenção do dono da casa.

Dri me contou rindo e todos os brasileiros riram, Haiko, meu ex-marido holandês,  também achou estranha essa coisa de bater palma na frente da porta. Nós achamos estranho ele achar estranho.

Minha amiga Claudia, veio aqui esses dias e me disse: como é que eu que tinha viajado tanto e tinha parado de escrever?  Eu que tinha visto tanta coisa.

Expliquei é porque eu quase morri. E quando você quase morre e fica parada muito tempo, vem aos poucos tudo a sua mente e voce volta a pensamentos indígenas, tibetanos,  palestinos e de repente vê tanta semelhança nas diferenças. Tanta simples humanidade de quase todos que você encontrou. Todos nós meio falhos e todos nós tendo que abandonar algumas das nossas práticas e costumes.

Então pensei que hoje eu escreveria. O que é que eu aprendi de ter entrado em tantas casas em tantos países, em tantos continentes? Eu aprendi a abandonar concepções antropológicas de relativismo cultural, ter dúvida dela. Depois de muito tempo estudando suas vertentes nos EUA, na Holanda e na Inglaterra, me dei conta que quase sempre ouvia a linguagem do colono, mesmo quando lia alguém que era do país colonizado. Ainda assim tendiam a ser a elite daquele lugar. Mesmo nas suas auto-cíticias, eu ouvia essa voz de linguagem, e pouca aceitação de similaridade. E quando parti do meu doutorado nao foi porque era difícil, mas porque eu fui na casa das pessoas. Pensei tanto nisso. Quase fiz parte de uma história que ajuda um processo de pseudo-paz. Não havia justiça, nem reconhecimento de semelhança nos discursos de Israel e Palestina. Em tantas casas eu fiquei lá na Palestina e Israel. Casas de pessoas que conheci no pequeno onibus.  No couchsurfing.

Sempre me perguntavam na Palestina porque eu estava lá. E eu respondia estou fazendo um doutorado e minha pesquisa é o processo de paz. Eles diziam que iam me ajudar. E eu ficava feliz e dizia. Acha que vai ajudar vocês?

“Não. A ocupação será a mesma. Nao há paz sem justiça mas vai ajudar você que terá um doutorado da London School of Economics.

“Como assim? mas então não preciso fazer. Porque vocês me ajudam em algo uinutil a voces?

“Porque você pelo menos traz alegria aqui. Vcs da America Latina são muito animados. 🙂 !”

Passando em muitos vilarejos eu percebi que eu estava fazendo parte de um discurso de colono. Fui embora do doutorado e fiquei vendo a realidade da cisjordânia.

Quantas vezes eu fui ver pessoas mesmo sem falar a língua delas? Quantas vezes senti que ali na observação do ato, e não da linguagem, tinha sentido mais compreensão.  Tinha sido menos distraída. Muitas vezes. Antropólogo nenhum fica feliz com essa frase mas eu a declaro aqui. Normas culturais são inventadas e aprendidas. Nao há nada de intrinsicamente valioso de normas culturais só porque são velhas. Nem todas essa práticas têm que ser respeitadas só porque existem há muito tempo. Em todas as populações há coisas que devem ser abandonadas. Na minha, na sua, nas deles.

O que é liberdade? O que é escolha? O que é violência? Qual é a diferenca da sociedade que se foca no ego e aquela que se foca no grupo ? Sinto que são diferenças presentes em todos os lugares onde estive. Dentro de todas as sociedades que estive havia diferença entre as pessoas do mesmo grupo.

Mas me posiciono para contar as coisas que vi. Homo Sapiens Sapiens  por todas as partes onde eu estive. Vi diferença sim, e percebi que foram criadas muito recentemente. Revolução neolítica de mais ou menos 12 mil anos! O mundo dividido como é hoje de poucas centenas de anos….  Não representa NADA dos mais de 100 mil anos de Homo Sapiens Sapiens.  Uns 200 mil anos dos Homo….

Tanto o Turco como o Grego devem ter ouvido muito sobre o Turco e o Grego, talvez mais do que de qualquer outro povo. Ouviram muito sobre as suas diferenças,  o ódio que existiu e ainda existe entre essas populações. Deve ter ouvido dos péssimos costumes da outra população. Agora, apesar de todas as suas crenças, já viveram juntos. Eram os dois mais semelhantes entre eles do que eram daquela mulher batendo palma para um objeto, eram mais semelhantes entre eles do que o turco era da sua esposa do Brasil. Os dois sentiam medo daquela postura mas nao levou mais do que palavras para que eles entendessem. Não levou mais do que conversa para que compreendessem a razão daquilo existir.  

Assim tem me parecido os encontros dos judeus mizhahim, e safahadim ( arabes, norte africanos)  com Palestinos, e outros Arabes. Lógico, fora de Israel.

Paro aqui. Pois de fato quero dividir o que vi e descobrir se ainda sei escrever. Lembrar e contar das práticas em todas as culturas admiráveis, e tambem outras que nao eram pois pareciam violentas. Nao consigo mais sentar e defender relativismo cultural, por exemplo a defesa da morte de um bebê indigena, só porque era um entre gêmeos. Entendo porque a norma foi criada. Biologia. Qualquer povo nômade nao pode ter que cuidar de tanta gente. Hoje não precisa mais ser respeitada quase ninguém é tão nômade assim. Terra é mais controlada.
Nos próximos topicos vou tentar contar da minha experiência de falar com quem fez circuncisão feminina, da palestina e Israel, do norte da Africa, Sudeste Asiatico, dos Palestinos,  da America Latina, da Europa, USA  etc etc etc…