Um turco e um grego estavam morando na mesma casa em Londres. Junto com eles estava minha amiga Adriana. Brasileira e casada com o Turco que era arqueólogo. De repente, saiu na sala e viu os dois em silêncio, estavam tentando ver escondidos algo entre uma cortina que dava para fora sem serem percebidos. Adriana perguntou de cara: o que está se passando? Os dois pediram que ela falasse baixo e que não se aproximasse da janela.
“Cuidado. Tem uma louca aí! Precisamos informar a polícia!”
Adriana ouviu de repente um barulho de alguém batendo palmas e foi olhar.
“Ô de casa!!! papapapapapapa”
“Adriana, esta mulher é louca, esta se comunicando com a parede por palmas!”
Adriana, brasileira, achou engraçado…. e disse
“ É minha manicure!”
Sem dúvida, eles acharam que a Dri era louca de deixar uma “louca” que bate palmas para a parede entrar e ainda por cima com alicate e acetona 🙂
Adriana riu muito. E acho que demorou um tempo para eles entenderem que nem todo mundo tinha campainha no Brasil. Que tem casa no Brasil onde você nao pode bater na porta porque tem portão, tem cachorro. Entao as pessoas em alguns lugares do Brasil batem palmas para chamar atenção do dono da casa.
Dri me contou rindo e todos os brasileiros riram, Haiko, meu ex-marido holandês, também achou estranha essa coisa de bater palma na frente da porta. Nós achamos estranho ele achar estranho.
Minha amiga Claudia, veio aqui esses dias e me disse: como é que eu que tinha viajado tanto e tinha parado de escrever? Eu que tinha visto tanta coisa.
Expliquei é porque eu quase morri. E quando você quase morre e fica parada muito tempo, vem aos poucos tudo a sua mente e voce volta a pensamentos indígenas, tibetanos, palestinos e de repente vê tanta semelhança nas diferenças. Tanta simples humanidade de quase todos que você encontrou. Todos nós meio falhos e todos nós tendo que abandonar algumas das nossas práticas e costumes.
Então pensei que hoje eu escreveria. O que é que eu aprendi de ter entrado em tantas casas em tantos países, em tantos continentes? Eu aprendi a abandonar concepções antropológicas de relativismo cultural, ter dúvida dela. Depois de muito tempo estudando suas vertentes nos EUA, na Holanda e na Inglaterra, me dei conta que quase sempre ouvia a linguagem do colono, mesmo quando lia alguém que era do país colonizado. Ainda assim tendiam a ser a elite daquele lugar. Mesmo nas suas auto-cíticias, eu ouvia essa voz de linguagem, e pouca aceitação de similaridade. E quando parti do meu doutorado nao foi porque era difícil, mas porque eu fui na casa das pessoas. Pensei tanto nisso. Quase fiz parte de uma história que ajuda um processo de pseudo-paz. Não havia justiça, nem reconhecimento de semelhança nos discursos de Israel e Palestina. Em tantas casas eu fiquei lá na Palestina e Israel. Casas de pessoas que conheci no pequeno onibus. No couchsurfing.
Sempre me perguntavam na Palestina porque eu estava lá. E eu respondia estou fazendo um doutorado e minha pesquisa é o processo de paz. Eles diziam que iam me ajudar. E eu ficava feliz e dizia. Acha que vai ajudar vocês?
“Não. A ocupação será a mesma. Nao há paz sem justiça mas vai ajudar você que terá um doutorado da London School of Economics.
“Como assim? mas então não preciso fazer. Porque vocês me ajudam em algo uinutil a voces?
“Porque você pelo menos traz alegria aqui. Vcs da America Latina são muito animados. 🙂 !”
Passando em muitos vilarejos eu percebi que eu estava fazendo parte de um discurso de colono. Fui embora do doutorado e fiquei vendo a realidade da cisjordânia.
Quantas vezes eu fui ver pessoas mesmo sem falar a língua delas? Quantas vezes senti que ali na observação do ato, e não da linguagem, tinha sentido mais compreensão. Tinha sido menos distraída. Muitas vezes. Antropólogo nenhum fica feliz com essa frase mas eu a declaro aqui. Normas culturais são inventadas e aprendidas. Nao há nada de intrinsicamente valioso de normas culturais só porque são velhas. Nem todas essa práticas têm que ser respeitadas só porque existem há muito tempo. Em todas as populações há coisas que devem ser abandonadas. Na minha, na sua, nas deles.
O que é liberdade? O que é escolha? O que é violência? Qual é a diferenca da sociedade que se foca no ego e aquela que se foca no grupo ? Sinto que são diferenças presentes em todos os lugares onde estive. Dentro de todas as sociedades que estive havia diferença entre as pessoas do mesmo grupo.
Mas me posiciono para contar as coisas que vi. Homo Sapiens Sapiens por todas as partes onde eu estive. Vi diferença sim, e percebi que foram criadas muito recentemente. Revolução neolítica de mais ou menos 12 mil anos! O mundo dividido como é hoje de poucas centenas de anos…. Não representa NADA dos mais de 100 mil anos de Homo Sapiens Sapiens. Uns 200 mil anos dos Homo….
Tanto o Turco como o Grego devem ter ouvido muito sobre o Turco e o Grego, talvez mais do que de qualquer outro povo. Ouviram muito sobre as suas diferenças, o ódio que existiu e ainda existe entre essas populações. Deve ter ouvido dos péssimos costumes da outra população. Agora, apesar de todas as suas crenças, já viveram juntos. Eram os dois mais semelhantes entre eles do que eram daquela mulher batendo palma para um objeto, eram mais semelhantes entre eles do que o turco era da sua esposa do Brasil. Os dois sentiam medo daquela postura mas nao levou mais do que palavras para que eles entendessem. Não levou mais do que conversa para que compreendessem a razão daquilo existir.
Assim tem me parecido os encontros dos judeus mizhahim, e safahadim ( arabes, norte africanos) com Palestinos, e outros Arabes. Lógico, fora de Israel.
Paro aqui. Pois de fato quero dividir o que vi e descobrir se ainda sei escrever. Lembrar e contar das práticas em todas as culturas admiráveis, e tambem outras que nao eram pois pareciam violentas. Nao consigo mais sentar e defender relativismo cultural, por exemplo a defesa da morte de um bebê indigena, só porque era um entre gêmeos. Entendo porque a norma foi criada. Biologia. Qualquer povo nômade nao pode ter que cuidar de tanta gente. Hoje não precisa mais ser respeitada quase ninguém é tão nômade assim. Terra é mais controlada.
Nos próximos topicos vou tentar contar da minha experiência de falar com quem fez circuncisão feminina, da palestina e Israel, do norte da Africa, Sudeste Asiatico, dos Palestinos, da America Latina, da Europa, USA etc etc etc…
❤