Mandalay, a Internet e o caminho da evolução.

Acordo as 4. Tinham me dito que o ônibus saia as 5. Arrumo tudo e vou lá fora mas não tem nenhum funcionário. Deixo a chave na mesa e a conta por sorte já paguei.
Quando é 15 para as 5 eu saio do hotel. O senhor que aluga motos está lá. Ele não fala muito inglês e eu nada da linha local. Ou quase nada . Ele pega o telefone e liga e me diz para esperar. 
Terra do mistério completo. Eu lembro que tinha comprado uma lata de batata frita lá na estrada de Yangon. Já que não vou tomar café como uma. Aparece um outro senhor da Birmânia . Tampouco é o meu táxi para me levar à rodoviária. Ofereço batata para os dois. Eles dizem não e eu insisto e tiro umas da lata e ofereço.

Eles aceitam e eu me pergunto se aceitaram por educação. Comem rápido e eu ofereço mais e não é que eles pegam a lata e tiram mais algumas. Eu fico encantada pelo tanto que vai se percebendo sem usar língua.

Devem dizer não porque é batata cara da marca americana. Dizem por respeito. E ele liga pela segunda vez ao suposto taxi. E chega uma vã aberta. Eu fico super feliz. Um dia lindo está começando. Dou o resto da lata para ele. Me dizem para ter uma boa viagem.

Venho na tal meio aberta Van. O rapaz me leva e quando vou pagar me diz que não precisa. Insisto. Tenho dúvidas e ele diz que não precisa. Será que eu já paguei? O onibus é simples. Ainda assim me dão garrafa de água. Ônibus que parece local. Vai pegando gente nas ruas deixando no próximo vilarejo. 

Do meu lado senta uma menina e então eu fico com uma certeza Huawei, telefone chinês, é possível a todos. Ela não fala inglês e entende que quero tirar foto e diz sim. Ela também entra no seu facebook. Aliás todo mundo nesse super simples ônibus está no Cel .

Param numa barraca e entram e a honestidade que encontro aqui me emociona. Como na Tailândia vem pedaços de manga num saquinho e noutro sal é uma forma de pimenta. A moça me diz 300 kyiat. Diz que são dois sacos e eu quero um e entendo que ela quer 600. Digo só um. Como e quando acabo e ainda estamos parados eu resolvo que queria mais.

Saio quando vou comprar mais uma escolho outra menina. A primeira insiste para eu comprar dela. Ou melhor eu acho. A segunda diz 200 um saco. 300 dois sacos. Eu pego um. Só então entendo que seu desespero é porque já paguei 300. Tenho direito do segundo dela. Eu já tinha dito não achando que era só interesse. Percebo-me tão mais falha. E eles sempre tão honestos. Fico desesperada que brasileiros não venham e se aproveitem disso. Por agora sabem só de poucos e ronaldinho.

Escolho um hotel barato e aparece um taxista. Ele me diz que é moto. Parece tão boa pessoa que digo sim. Coloco mochila nas costas e pergunto se aqui pode ter moto. 
“Sim , em Yangon não “.

Segundos na moto e vejo famílias numa pequena moto. Como me lembro é na Tailândia. Chego no hotel e durmo e penso. Acho que já vi muito. Volto para Tailândia. Queria que o André tivesse aqui. Durmo e saio para andar.

Era umas 8 da noite. Todo mundo fala comigo. E meu pior me visita. Querem me vender algo. Querem sei lá o que. Então sou abordada por um ocidental. Eu vejo um lugar de sorvete e digo que vou lá.

Ele vem junto. Rosto de mais velho. Cara do autor do livro que saiu da prisão e fugiu para India. Senta comigo. E eu falo. Ele observa e eventualmente me conta que é Russo. Pergunto se ele mora lá ? Ele me diz que as vezes lá, às vezes na Tailândia.

Tem um rosto desgastado. E eu conto para ele que saí do hospital faz 3 semanas. E ele me conta que faz um tempo que teve um acidente. Não quer explicar. Diz que das coisas horríveis vem coisas boas. Ele na Tailândia, no hospital conheceu sua nova família nesse mundo. 

Na minha mente tenho quase certeza que ele é possível traficante de drogas ou mulheres. Não me abalo. Pergunto a ele do meu livro favorito, os irmãos Karamazov. E ele me diz que tem pessoas que não gostam. Ele leu.

Conto da parte do livro de quando Dimitri diz a Alyosha que no caminho da evolução só quem passou por ódio , medo, dor etc está à frente. Conto de dona Fátima e fico verdadeiramente emocionada. Pergunto seu nome. E é Alexei.

“So you are Alyosha” ( Alyosha é um dos apelidos de Alexei 

Para quem não leu, Alyosha é o irmão quase santo. Então esse estranho Russso, que não parece nada com os meus amigos Russos que conheço na sua inteira integridade, pede a conta. Pede desculpa e diz que está se sentindo mal. Paga seu sorvete a mais e quando volta o troco ele desapareceu.

O garçom Daqui fica desesperado. Eu digo que pode ficar para ele. Ainda mais desesperado. Pego na minha mão. Olho para o menino e dou para ele. Ele se intriga, sorri e aceita.

Fico sozinha e aquele sentimento já vi demais se desmancha. Sempre se pode ver mais e da próxima vez o André vem junto. 
Uma menina me olha e eu digo boa noite. Ela fala um pouco de inglês. Senta comigo. Sua mãe aparece. 

Peço conselhos e nas nossas micro palavras ela escreve tudo num papel. Pergunto se tem facebook e fica super feliz. Somos amigas de face agora. Digo para ela pegar meu contato pois não é sempre fácil achar alguém. Ainda não achei a Daiene. Apenas encontrei a Elena porque tinha seu e-mail.
Ontem conheci duas irmãs de 20 e 24, Valeria e Luciana. Pai argentino e mãe Brasileira. Falamos e nos deliciamos em Bagan. Uma fotógrafa e uma estilista. Encontramos os engenheiros e eu posso até ler meu post para eles 🙂 não devem ter ficado felizes.

Concordamos que língua não é fundamental. É fundamental para conversas filosóficas, e não comum a tantos. 

Um birmanês se apresenta e diz que é cristão e eu digo que sou budista. Vejo muitos muçulmanos da Birmânia hoje aqui em Mandalay. Nas pouquíssimas palavras Song da sorveteria já me adicionou… 

Minha amiga Michal me diz que tudo está diferente. Nos vínhamos em 2012 e ela cruzou a Ásia para me ajudar de pé quebrado. Quando ela veio não tinha internet. Seu irmão veio e tem. Ela estava decepcionada, eu acho.

Penso muito nisso. E hoje tenho certeza que o tempo deve avançar para todos. A saudade dos hábitos antigos podem sim voltar para umas férias pequenas. Para o estilo de vida alguns poucos.

Na internet está a capacidade de nos inundarmos de informação e des-informaçao. Hoje sei que pessoas pobres têm seus telefones com internet. Sei que acorda desejos de compra que não é bom. 

Ainda assim acho que é no mínimo justo que as opções sejam para todos. As informações para todos. Ainda seja muito mais fácil para alguns.

A internet é espaço de tudo. Abandono os pensamentos antigos antropológicos daqueles que querem tudo como no passado mas viajam como eu, tirando fotos, telefones. Todos esses usam computadores, câmeras, telefones e internet.

Nada tem que ficar estagnado para a admiração dos poucos que podem. Em qualquer sociedade tem conflitos dentro dela.

Acho que Alexei ficou tocado por eu  pensar em Alyosha. Livro que ele conhece tão bem. E eu não fiquei nenhum pouco preocupada com seu passado. Eu penso sempre no presente. E que presente. E concordo com o Dostoyevski e com o Alexei às vezes precisamos perder muito para dar valor a coisa mais importante que existe… Para mim é a nossa humanidade, seja lã em que passo dela você esteja. 

Todos têm que poder pelo menos tentar entrar na estrada de evolução. 
Sem duvida a Internet, os Chineses aqui, eu e os outros podemos estar despertando na sociedade da Birmânia corrupção, falhas etc e tal. 

Ainda assim um pai que protege muito um filho o deixa dependente. Ninguém é pai filosófico de outra sociedade. 

Todos somos falhos. Num caminho de pensamento livre podemos cair profundamente. Já caí muito e levantei mais forte.  A cada dia me percebendo mais falha mas sem carregar culpa e sim consciência de que cada ato tem consequência. E eu me sinto muito grata pela minha vida. Por todas as pessoas que troquei palavras, olhares, abraços.  

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