A Dama Da Noite e um Chapéu

Dona Inah

Passei a noite inteira, numa daquelas situações que a música é tão bela, que não se sabe se deve dançar para reverencia-la ou se parar bem quietinha para ouvir cada detalhe, todos os contrapontos, todas belas linhas melódica da flauta, o preciso ritmo da percussão, a minúcias do bordões do violão. Mais difícil ainda é quando está na sua frente a Dona Inah, a Dama da Noite.

Faz tempo que eu ouço a Dona Inah.  Menos tempo que sento e converso com ela. Eh sempre, no entanto, verdadeiramente impressionante. Como ela já disse muitas vezes a música deu a vida para ela.  E nessas vezes que ela está diante de mim, ela da para mim e imagino para muitos outros também.

Na maior parte das vezes que vi Dona Inah foi no Bar do Cidão, bar que ela me explicou muitas vezes  ajudou a abrir. Ela que cantava lá há décadas e de graça. Desde da morte do Cidão raramente Dona Inah passava por lá, me disse que doía, chegar lá e não ver o seu amigo. Hoje em dia me dói passar na porta e não ver nem o Cidão, nem o Bar.

Todas as ultimas vezes que encontrei com Dona Inah ultimamente era bem depois de eu ter saído do hospital.  Sempre sentava com ela, e ela me contava das suas próprias viagens ao hospital. No passado, contava tudo isso com o copo de cerveja. Tinha até me explicado que detestava água e que só a bebia porque seu novo marido a convencia. Hoje em dia, disse me, que não bebe mais.

Tentei ver Inah todos esse dias em vão. Alguma coisa ou outra sempre acontecia. Dona Inah tinha me garantido, bem na noite que o Cidão se fechou, que ainda cantava no Ó do Borogodó todas as quartas. Quando finalmente cheguei lá, na semana passada, ela não estava lá. Se preparava para um show na Sexta.

Finalmente, vi dona Inah ontem e por isso que acordei hoje tão tarde. Porque com seus mais de setenta anos, muitas stents no coração Dona Inah ainda canta até tarde. Alias muito tarde para uma quarta Feira.

No entanto, não sou só eu, desocupada, que pode ficar dançando até as 4 da manhã! Tem gente de tudo que é tipo. Estrangeiros, estudantes, professores,músicos e até gente do mercado financeiro.

Eu que cheguei cedo ( as 22:00), vi os músicos passarem o som e sentei com Dona Inah para conversar com ela. E das mil coisas que ela me contou, teve uma que me deixou particularmente tocada.

“Julieta, Voce foi no funeral do Cidão?”

Expliquei que não, que nem estava no Brasil naquela época. Então Dona Inah continou, inabalada com isso.

“Eu estive no Marrocos. Muito bonito la. E lá eu vi um chapéu muito bonito.”

Dona Inah descreveu o chapéu, me explicou como tinha trazido aquele chapéu numa caixa bonita e tinha dado para o Cidão. Era um presente escolhido a dedo para ele.

“Ele ficou muito emocionado. Na hora, não soube o que dizer e de repente disse: Inah, eu vou ser enterrado com esse chapéu!”

Fiquei tocada, ali no Ó, e de repente eu me senti conversando com um Tibetano, ou um Chines que começa lá longe para te contar uma estória clara no final. Clara desde o principio mas que se você não prestar atenção não percebe.

Eu já sabia a resposta mas ainda assim perguntei a ela.

“E ele foi enterrado com esse chapéu Marroquino?”

“Claro, por isso que eu te perguntei se você tinha estado no enterro. E sabe, que o Cidao me disse outras vezes, que aquele era o melhor presente que ele tinha recebido na vida.”

Um chapéu que vinha de um continente de onde seus antepassados tinham vindo, na mão de uma amiga.

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