Pelas frestas…

Vipassana I

A arte se encontra tantas vezes nos lugares mais escondidos.  Eu tenho tido a sorte de encontrar pela minha vida grandes artistas.

 

Quando, eu uma vez escolhi ficar num retiro de silêncio por por 11 dias sem ler, escrever, ouvir música, falar e exercitando a prática de estar presente pensava na  arte. Eu pensava na nossa capacidade de pensar meta-representacionalmente, pensar que aquilo de estar totalmente presente nos roubaria da arte, da nossa capacidade de imaginar aquilo que não era.

 

Quase fui embora do retiro achando que aquilo não era humano, mas não fui. Nem sei muito bem porque eu não fui. Talvez por perceber que o meu próprio cérebro  invocaria qualquer coisa, qualquer filosofia teórica para partir. Porque é de fato difícil estar presente com você mesmo, sem nada que te distraia. Fiquei.

 

Amit, me disse esses dias que Vipassana na forma de Burma é muito violenta. A forma dos Tibetanos é mais delicada. É muito raro o Amit não saber exatamente o que se passa na minha mente, mesmo que esteja do outro lado do mundo.

 

Pensei nos Tibetanos, nas suas mandalas, nas suas práticas. A humanidade de tudo, o valor das risadas. E me lembrei até do lama lobsgang, lama Tibetano, que virou meu amigo e que me disse “vá, é difícil, ,mas vá embora quando vc cansar e achar que não faz mais sentido.”Fiquei surpresa afinal tudo me dizia nas regras que eu devia ficar o tempo todo. Ele como um bom lama sorriu e  disse : “O objetivo não é você acabar odiando meditação. Vá mas não exagera”

 

E eu fiquei porque eu não precisava ficar, foi importante Lama Lobsang me dizer aquilo e foi importante também eu ficar mesmo assim até o final. Tantas frases de SS Dalai Lama, da SS karmapa, SS rinpoche, do Lama Lobsang vieram a minha mente por esses tempos. Principalmente a frase que atribui grande valor aos nossos inimigos.

 

“Nossos inimigos são os nossos verdadeiros e melhores professores”. E como não sendo lama um consegue abandonar toda a dor? A raiva é mais fácil. Já a dor é pior, é bem mais difícil. Então eu volto a música. No silêncio da música eu as vezes encontro o consolo.

Vem-me a cabeça as vezes, quase sempre a Ásia, e o Oriente Médio, em todas as suas outras escalas. Lembro das mandalas feitas meticulosamente e uma consciência que sempre esteve ali, e fora do presente a imagem, mas a delicadeza da execução dos monges em frente a elas é tão profunda. Lembro também dos meninos fugindo do templo para jogar futebol. As risadas…. as constantes risadas dos lamas que encontrei.

 

Esses dias o Elias, um afinador de piano recomendado pelo Benjamim Taubkin veio afinar o piano do meu quarto. Eu não sabia que o Elias era um mestre. Um afinador de todos os grandes pianistas de Sao Paulo, que vai da minha casa (de alguém que não sabe tocar) até afinar pianos na sala São Paulo.

afinar

Eu sentei em silêncio olhando ele afinar. Ele que vem de gerações de afinadores. Sentou, abriu o piano e me contou tudo que tinha para eu saber de um piano de mais de 100 anos. E eu fiquei quieta olhando a arte daquilo.  A meticulosidade que ele tocou tudo, a delicadeza, e a total presença que pouco havia de não estar presente. O saber muito bem toda as escalas do mundo, suas divisões, ouvido tão preciso.

 

Depois eu fui escalar e pensei no mesmo, o tanto que você deve esta presente.  A importância de uma montanha para qualquer pessoa que tenha nascido perto dela… da Colombia, ao Irã ao Tibete ao Japão. São muito raros os nativos de uma montanha que as queiram “colonizar”, vencer.

 

Depois eu fui ver o Alessandro Penezzi e o Zé Barbeiro tocar choro. Estava cansada, muito cansada e quando eu fui falar com eles no intervalo fiquei lá ouvindo dois grandes músicos e de fato fui parar em outro mundo. Zé e Penezzi ficaram até preocupados.

 

Não tinha como eu explicar para eles ali que de fato eu estava longe. Tão longe, pensando no frio de Ladakh, a música do Rajastão, meu desejo de ir ao Irã, a minha saudade de um mundo arrancado de mim, o gosto do por do sol na frente do Mekong. Gratidão por eles tocarem para mim Jacob.

 

Sentei no chão perto do Zé, olhando o Penezzi e ouvindo Magoas sem que ninguém viesse falar comigo. E ponderei sobre a arte e a nossa capacidade de estar presente.

 

Enquanto, eu agora ouvia o mantra mais conhecido do Budismo Om Mani Padem Hum. Pensei que a arte,o amor, a delicadeza estão nas pequenas frestas. Elas vem as vezes da lama, elas viram flores, mas quase tudo que tem valor está pelas frestas….

 

Om mani padme hum em  Tibetano é སྤྱན་རས་གཟིགས་

em Sanscrito  ओं मणिपद्मे हूं

 

Informações do Elias aqui    http://www.afinadordepiano.com.br

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