Nas Cordas do Meu Violão

Viro as tarrachas de um violao abandonado aqui de casa há mais de década. Esse violão já foi meu. Já viajou o Brasil que eu viajei. Já ficou na casas de mil amigos. Era para todos que me conheciam naquela época, uma extensão do que eu era. Mas há anos ele tem as mesmas cordas. Há anos as tarrachas não funcionam mais. É muito duro vira-las.

Dia desses cortei as cordas enferrujadas do suor da mão de tantos. Oxidadas com certo descaso e abandono por tantos anos a fio. Um instrumento ali meio por acaso. Corto as cordas num desses dias. Falo que preciso de novas cordas mas não vou compra-las.

Num outro dia resolvo colocar óleo nas partes de metal enferrujadas para poder trocar as cordas. Demora talvez uns dias mais para eu de fato buscar o tal DW40. Estou meio que convencida que esse violão já não toca mais.

Outras semanas passam e muitos dos que me conhecem sabem das cordas que eu preciso comprar.

Nesse final de semana eu vou a Benedito Calixto levar dois amigos do mundo. Iva, nascida na Malasia, de mãe francesa e pai chinês. E Nam, australiano de família do sul do Vietnam que fugiu de um campo na Indonésia para a Austrália.

Andamos a feirinha e eu vou contando a estória do Brasil. As vezes paro no meio de uma frase que eu sei tão bem…me lembrando quão critica eu sou do modo repetitivo que as narrativas de países são contadas. Narrativas que nunca paramos para avaliar. Enquanto vou dizendo as frases meio repetidas por muitas outras pessoas… eu as interrompo dentro de mim. Quando mesmo eu fiquei sabendo disso? Que evidencia empírica existe sobre esse fato ou outro? Rio em silencio.  Nenhuma.

Eles estão no meio de uma viagem pela America do Sul.  E eu me lembro das cordas.

“Podemos comprar cordas? É logo aqui na Teodoro Sampaio.”

Compro as cordas porque eu pretendo ficar. E como alguém que volta aos poucos a entrar na fantasia de alguém que vive em algum lugar eu olho algo para o meu quarto. Uma bermuda num brechó. Minha amiga Paula que veio nos encontrar se surpreende.

“Você comprando alguma coisa?”

Explico que é para escalar.  E agora enquanto eu sento fazendo algo que há anos eu não faço eu percebo que eu compro porque eu não tenho que carregar nas minhas costas. Enquanto eu vou girando as tarrachas meus pensamentos vão correndo por mim.

Lembro do meu professor de violão vendendo seu mil produtos há quase duas decadas,  e como uma manivela de memórias vou incorporando tudo que eu fui aqui. Assim, como aquelas frases feitas sobre o Brasil eu olho para algumas facetas da minha personalidade e rio em silencio. Não há nada de meu naquilo.

Mas a manivela gira e eu vou pensando em tudo de novo. Uma agarra na parede, uma corda bamba, um novo sorriso importante para mim. E a tarracha gira e vai deslizando por mim todas as pessoas que nesse final de semana eu reencontrei. Gira por mim as pessoas que resolveram vir me ver aqui num futuro tão próximo.

Afino as cordas. Uma a uma. Assim que eu termino de afinar elas já estão desafinadas de novo. Afino de novo, e de novo. E de repente pela primeira vez eu toco um acorde dissonante. Ali em toda aquela dissonância as notas fundamentais, e as dissonantes estão claras como nunca.

E eu sei, melhor do que eu sei qualquer frase sobre o Brasil, ou sobre mim,  que daquele violão tão abandonado musica pode uma vez mais transbordar. Não a mesma musica , mas alguma musica.

2 thoughts on “Nas Cordas do Meu Violão

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